Um colega, conhecedor da Índia, repetiu-me várias vezes o seguinte: "o que me impressiona na Índia é chegar a um bairro caótico e imundo e ver passar mulheres com vestidos coloridos impecáveis".
Li as críticas a "Quem quer ser bilionário" do Daniel Oliveira e da Joana Amaral Dias onde ambos fazem referência à estetização da pobreza, ao glamour e às cores fortes, presentes neste filme de Danny Boyle. Não serão os bairros da lata da Índia um pouco assim, caóticos e imundos (como diz o meu colega) mas com um certo glamour, com a seda a fazer milagres no meio da miséria? A estetização da pobreza é sempre um risco para quem filma em bairros da lata. Na "Cidade de Deus", por exemplo, a estetização das armas e dos tiroteios é bem mais potente do que o glamour dos vestidos de seda de Bombaim. Muitos viram a "Cidade de Deus" só pela cowboiada concluindo pobremente que aquilo só se resolvia com uma bomba atómica em cima da favela. Justamente, concordo com a Joana quando diz que o mais importante é o que cada espectador faz do filme. Presta o espectador mais atenção ao glamour ou à violência a que estão sujeitas as crianças dos bairros da lata? Não me refiro à violência física, mas sim à violência das hierarquias sociais e institucionais, à corrupção generalizada, à exploração laboral, ao machismo, à intolerância religiosa, ao oportunismo, a esse cocktail de violências invisíveis ou menos visíveis que infernizam a vida daqueles jovens a extremos inimagináveis para um confortável europeu.
Foi precisamente essa violência que faz com que a maior parte daqueles jovens não tenha forma de sair do ciclo vicioso do bairro da lata (excepto através de um concurso) que lhes oferece um futuro sem opções, um futuro em linha recta, foi essa violência bem presente na película de Boyle que me fez apreciar o filme. Vi a denúncia e escapou-me completamente o glamour e as cores fortes.
A vous de juger!