sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Vira-Latas Milionário: glamour ou violência?

(AllPosters.com)

Um colega, conhecedor da Índia, repetiu-me várias vezes o seguinte: "o que me impressiona na Índia é chegar a um bairro caótico e imundo e ver passar mulheres com vestidos coloridos impecáveis".

Li as críticas a "Quem quer ser bilionário" do Daniel Oliveira e da Joana Amaral Dias onde ambos fazem referência à estetização da pobreza, ao glamour e às cores fortes, presentes neste filme de Danny Boyle. Não serão os bairros da lata da Índia um pouco assim, caóticos e imundos (como diz o meu colega) mas com um certo glamour, com a seda a fazer milagres no meio da miséria? A estetização da pobreza é sempre um risco para quem filma em bairros da lata. Na "Cidade de Deus", por exemplo, a estetização das armas e dos tiroteios é bem mais potente do que o glamour dos vestidos de seda de Bombaim. Muitos viram a "Cidade de Deus" só pela cowboiada concluindo pobremente que aquilo só se resolvia com uma bomba atómica em cima da favela. Justamente, concordo com a Joana quando diz que o mais importante é o que cada espectador faz do filme. Presta o espectador mais atenção ao glamour ou à violência a que estão sujeitas as crianças dos bairros da lata? Não me refiro à violência física, mas sim à violência das hierarquias sociais e institucionais, à corrupção generalizada, à exploração laboral, ao machismo, à intolerância religiosa, ao oportunismo, a esse cocktail de violências invisíveis ou menos visíveis que infernizam a vida daqueles jovens a extremos inimagináveis para um confortável europeu.
Foi precisamente essa violência que faz com que a maior parte daqueles jovens não tenha forma de sair do ciclo vicioso do bairro da lata (excepto através de um concurso) que lhes oferece um futuro sem opções, um futuro em linha recta, foi essa violência bem presente na película de Boyle que me fez apreciar o filme. Vi a denúncia e escapou-me completamente o glamour e as cores fortes.
A vous de juger!

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Estrelas de Klepcinema 2008 (actualização)

5 estrelas
[Rec] Regista o Medo (Jaume Balagueró e Paco Plaza)
Loft (Erik Van Looy)
Quem quer ser Bilionário (Danny Boyle e Loveleen Tandan)

4 estrelas
Milk (Gus Van Sant)
Valsa com Bashir (Ari Folman)
Gomorra (Matteo Garrone)
O Complexo de Baader Meinhof (Uli Edel)
MR73 (Olivier Marchal)
A Troca (Clint Eastwood)
Eu Servi o Rei de Inglaterra (Jiří Menzel)
O Silêncio de Lorna (Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne)

3 estrelas
A Turma (Laurent Cantet)
Destruir Depois de Ler (Ethan Coen e Joel Coen)
C'est dur d'être aimé par des cons (Daniel Leconte)
Mulheres de Guerra (Jean-Paul Salomé)
Deux Jours à Tuer (Jean Becker)
Amor em Tempo de Cólera (Mike Newell)
Quantum of Solace (Marc Forster)
Two Lovers (James Gray)
Tropa de Elite (José Padilha)

2 estrelas
Parlez-moi de la pluie (Agnès Jaoui)
Vicky, Cristina, Barcelona (Woody Allen)
Morte de um Presidente (Gabriel Range)
Nés en 68 (Olivier Ducastel)

1 estrela
Babylon AD (Mathieu Kassovitz, mas avacalhado pela 20 Century Fox)
O Acontecimento (M. Night Shyamalan)

terça-feira, fevereiro 24, 2009

E agora eu sou Galileu

"E agora eu sou Galileu" é o título da próxima iniciativa nacional no Ano Internacional da Astronomia, eis a página internet e o resumo:

"Esta iniciativa destina-se a recriar as observações de Galileu, a nível nacional, pondo em destaque a sua importância para o conhecimento do Universo. Embora qualquer organismo nacional se possa juntar a esta iniciativa, ela será centralizada alguns nodos, que assegurarão o contacto mais próximo com o público."

A culpa é sempre do maquinista

Concordo totalmente com o último parágrafo deste texto do Luís Januário.
Uma das justificações dadas pela ortodoxia comunista para o descalabro da URSS é que o sistema, a economia planificada, não era mau, a culpa era do factor humano, era do maquinista, o maquinista é que fez descarrilar as máquinas.
Achei piada quando em 2002, após o escândalo ENRON, ouvi a mesma justificação, a culpa era dos maozões da ENRON, o sistema estava bem, só precisava de uns retoques. Hoje , depois de alguma cosmética legislativa, quando o sistema ultra-liberal se está a afundar fortemente provocando desemprego e vidas destruídas a uma escala já comparável ao descalabro do bloco de leste, ouvimos de novo a mesma justificação: o sistema é bom, a culpa é do maquinista...

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

A transformação política da Islândia

O país da Europa que mais sofreu com a crise está a operar uma transformação política extraordinária. Os Verdes de Esquerda estão na frente das sondagens. Preparam-se dois referendos, um sobre a adesão ao euro e outro sobre a adesão à UE. A direita, a responsável ideológica pela crise, continua a descer a pique nas sondagens.
Por cá ainda vai havendo espaço para o niilismo da crise, por lá, onde se sente no pêlo a bancarrota, já não há lugar para floriados retóricos.

domingo, fevereiro 22, 2009

Votar no melhor filme

A partir de hoje os caros leitores podem votar no melhor filme de 2008, na caixa do lado direito. A escolha está condicionada aos filmes que vi e aos filmes que já sairam em Portugal.

O Vira-Latas Milionário



"Quem quer ser Bilionário?" - poderia intitular-se "O Vira-Latas Milionário" - de Danny Boyle, combina a dinâmica "Trainspoting" (do mesmo autor) com um retrato social tipo "Cidade de Deus". A violência sob todas as formas a que estão sujeitas as crianças dos bairros da lata e a forma como esta violência forja o carácter de cada indivíduo é o tema principal desta obra-prima de Boyle. A estrutura da narrativa é excelente e surpreendente, e talvez o ponto mais forte deste filme, onde quase tudo é muito bom. O filme começa com o interrogatório de Jamal, um jovem que cresceu nos bairros da lata de Bombaim, depois de uma prestação com sucesso na versão indiana do concurso "Quem quer ser milionário?". E daqui partimos para o turbilhão da história de vida de Jamal e para algo mais que deixarei ao leitor a possibilidade de descobrir quando assistir ao filme.
O elenco é composto exclusivamente por actores indianos desconhecidos no ocidente, onde se destaca a prestação de Anil Kapoor, o apresentador do "Quem quer ser milionário?" - aquela dançazita após uma das respostas de Jamal é fabulosa. A bela Freida Pinto, a paixão de Jamal, é uma actriz de origem portuguesa, descendente das famílias católicas da velha Bombaim.

Filme Klepsýdra ***** (5 estrelas)

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Cinema sem pipoca

Já aqui dei a opinião negativa sobre a crítica de cinema em Portugal: caprichosa, mal informada (tem vindo a melhorar admito), de vistas curtas e sempre disposta a dar primeiras páginas de suplementos às "super-produções de hollywood", o brochezito do costume. Nos blogues, de uma forma gratuita, podemos ler muito melhor sobre cinema: ler o Luís Januário, ler o Bruno Sena e ler Um Blog Sobre Kleist.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

A fraude que se segue: Robert Stanford

Robert Stanford é o autor de mais uma fraude de grandes proporções, cerca de 6 mil milhões de euros. É impressionante como a sociedade que se foi construindo nos últimos anos se tornou acrítica e crente, deslumbrada com o dinheiro fácil, compactuando com o lucro sem produção. O pior é que me parece que não está a ser feito muito para irradicar o ultra-liberalismo económico entranhado no sistema. Os mercados financeiros estão a operar alguma mudança importante no seu funcionamento? Parece-me que não.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

O freeport do PSD

É curioso constatar como alguns dos principais dirigentes do PSD que vibram com o caso Freeport, são os mesmos que aprovaram a candidatura de Duarte Silva à câmara da Figueira da Foz. Duarte Silva, recorde-se, está envolvido num processo muito semelhante ao caso Freeport, com a agravante de ter sido constituído arguido. A nível nacional o PSD escandaliza-se e com razão sobre as negociatas Freeport. A nível interno, longe dos holofotes, escolhem os caciques do costume, volta tudo ao normal, ao país do betão e do futebol patrocinados pelas câmaras.
Nas próximas eleições temo que entre Felgueiras da Foz ou Figueira da Foz, se escolha a primeira, já não tenho grandes ilusões, é o resultado da estupidez quotidiana que se vai cultivando no nosso país, um país cada vez mais kitsch e acrítico.

domingo, fevereiro 15, 2009

47°C em Melbourne

47,9°C registados no passado 7 de Fevereiro foi a temperatura mais alta registada em Melbourne - cidade costeira - desde que há registo de temperaturas na Austrália. Para percebermos o significado deste valor convém reter que a temperatura mais elevada registada na Austrália foram 50°C na região de Oodnadatta, situada em pleno deserto a 112m abaixo do nível do mar, e a temperatura mais alta registada na Terra foram 57,8°C no deserto Sahara.

sábado, fevereiro 14, 2009

Quando se Romperam os Diques

"Quando se Romperam os Diques" de Spike Lee é um filme documentário produzido pela HBO que descreve os efeitos da passagem do Katrina em Nova Orleães em Agosto de 2005. O documentário de Spike Lee mostra com clareza que a tragédia ocorrida não teve origem nos efeitos directos do furacão Katrina, mas sim na quebra dos diques aquando da sua passagem pela cidade. Mais de metade da cidade está abaixo do nível do mar, em média estas zonas estão cerca de meio metro abaixo, mas certas zonas estão 5 metros abaixo do nível do mar. Após a passagem do Katrina a cidade começou a ser rapidamente inundada até se formarem algumas ilhas que serviram de refúgio aos que viram as suas habitações inundadas. O que é impressionante no filme de Spike Lee é constatar como a morte chega pela calada. A concentração de pessoas aos milhares em pequenas áreas, como no estádio de baseball, a falta de saneamento básico, a exposição ao calor, a falta de água potável e de alimentos começaram a fazer vítimas desde o primeiro dia. Diabéticos, idosos, crianças, bebés e pessoas que dependiam de medicação espécífica foram os primeiros a morrer. Os mortos ficavam misturados com os vivos. Milhares de pessoas sem ter para onde ir, que entupiam as retretes e as casas de banho a níveis impensáveis, pessoas habituadas ao conforto das suas casas, estavam de um momento para outro a viver uma tragédia terceiro-mundista.
Exceptuando o esforço da guarda-costeira que trabalhou 24 horas por dia por iniciativa própria, a Administração Bush não adoptou medidas de salvamento que correspondessem à dimensão da tragédia. Um dos sobreviventes do Katrina queixa-se a Spike Lee: "vimos chegar uns soldados com uniformes diferentes e perguntámos de que unidade eram. Responderam-nos que eram Canadianos. Perguntámos como tinham chegado ali. Disseram-nos que se meteram num barco no Canadá e desceram até Nova Orleães. Ficámos furiosos, onde estavam os nossos soldados?..."

Katrina e o aquecimento global
Sobre a probabilidade do Katrina estar relacionado com o aquecimento global ler este artigo da Nature, este e este artigo no Journal of Climate (Via Linha dos Nodos).

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Darwin e a emancipação da ciência

(Publicado no portal Esquerda.net)

A descoberta por Charles Darwin da evolução pela selecção natural, desencadeou desde cedo reacções acesas e apaixonadas entre a comunidade científica e a sociedade civil. A Igreja de Inglaterra foi a primeira instituição importante a formular uma reacção de rejeição da teoria da evolução. Desde então o carácter revolucionário da obra de Darwin não deixou de ser objecto de ataques ideológicos e religiosos, suscitando no entanto a admiração de eminentes pensadores.

Marx considerava que o grande feito de Darwin foi o de nos interessar pela "história da tecnologia da natureza". Para Darwin a ascensão e o declínio das espécies era determinado pela luta entre organismos, pela selecção natural e pela sobrevivência dos mais aptos. Darwin inspirou Marx, para quem o destino era determinado pela luta de classes económicas. Esta ideia seria reforçada por Friedrich Engels quando este declarou perante o seu túmulo: "Tal como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, também Marx descobriu a lei da evolução na história humana".

Mais tarde Henri Bergson, filósofo e Prémio Nobel da Literatura em 1927, foi aquele que empregou argumentos mais sofisticados na tentativa de negar a teoria de Darwin. Bergson considerava que o processo de selecção natural a actuar por variações aleatórias não chega para explicar a evolução de um órgão complexo como o olho dos vertebrados. Considerava que houve um impulso vital (élan vital) a dirigir o desenvolvimento dessas partes mais complexas.

Ora, a selecção natural é um processo de acumulação de pequenos passos evolutivos, cada um deles com uma probabilidade baixa, mas não extremamente baixa. Quando um número muito grande destes pequenos passos pouco prováveis se sucede em série, o resultado final desta acumulação de passos é de facto muito pouco provável. O erro de Bergson e dos criacionistas é que insistem num erro estatístico fundamental ao considerarem o resultado final de um processo evolutivo como um único passo, desprezando o poder da acumulação de pequenos passos pouco prováveis.

Recentemente, as teses de Bergson foram retomadas pelos defensores do Desenho Inteligente. Para esta corrente niilista alguns dos seres vivos existentes na Terra não têm passado evolutivo, tendo sido obra de uma inteligência superior. Em 2004 um grupo de professores adepto desta corrente tentou incluir o desenho inteligente no currículo de uma escola secundária de Dover, Pensilvânia, EUA. O caso passou pelos tribunais e o Desenho Inteligente foi excluído do currículo da escola de Dover por violar o princípio constitucional de separação entre Igreja e Estado.

Este como outros ataques à ciência provenientes de seitas religiosas evangélicas norte-americanas associadas a correntes neo-conservadoras mais radicais (onde se inclui a ex-candidata Sarah Palin) despoletaram durante a recente campanha eleitoral americana o movimento "Defenda a Ciência". O seu manifesto contra a pseudo-ciência e a ortodoxia religiosa vincava a importância da defesa do Darwinismo contra as investidas dos criacionistas e do Desenho Inteligente. Este manifesto foi subscrito por milhares de investigadores, entre os quais 14 Prémios Nobel e mais de 100 membros da National Academy of Sciences dos EUA. O movimento "Defenda a Ciência" celebra hoje os 200 anos do nascimento de Darwin e os 150 anos da publicação de "A Origem das Espécies", apelando à defesa do legado de Darwin contra as novas seitas e as novas ideologias que pretendem mergulhar a nossa civilização em novas eras obscurantistas.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Aquecimento global, disparates locais

Quando se fala em aquecimento global fala-se no aumento da temperatura média de todo o planeta. Por exemplo, se a temperatura média da Terra aumentar 1ºC durante 10 anos, existirão certamente numerosas regiões do planeta onde a temperatura média diminui, mas serão muito mais extensas as regiões onde a temperatura aumenta.

O recente frio inverno europeu, mas apesar de tudo frio dentro daquilo que é a normalidade, suscitou os habituais comentários niilistas sobre o aquecimento global. Foi a enésima vez que fenómenos extremos locais servem para negar um fenómeno global. Isto faz tanto sentido como abrir a porta do congelador e só porque sentimos frio concluímos que o aquecimento global não existe. Nem por acaso as temperaturas extremas e as vaga de fogos na Austrália - fenómenos bem mais raros que os invernos frios da Europa - vieram lembrar que a temperatura média do planeta poderá apesar de tudo estar a subir, ou pelo menos, poderá não andar muito longe das médias registadas nos últimos 10 anos (os 10 anos mais quentes de sempre).
Para quem sabe estatística isto são evidências. Mas o problema é que a blogosfera é poluída constantemente por comentários de indivíduos que não perceberem estas evidências, indivíduos a quem faltam chumbos no secundário. São sempre os mesmos. Mas há também quem faça de uma forma consciente, com o intuito de gerar desinformação, como é o caso de Rui Moura do blogue Mitos Climáticos.

Os fogos na Austrália devem-se ao aquecimento global?
Esta é uma pergunta a que ninguém pode dar uma resposta absoluta e definitiva. Sabemos que o aquecimento global aumenta a probabilidade que fenómenos deste tipo aconteçam (ou de furacões da dimensão do Katrina), mas em toda a história da Terra sempre aconteceram fenómenos climáticos extremos aleatórios. A resposta é talvez sim.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Má matemática na economia

Esta crise veio evidenciar que há muita má matemática na economia. Tinha ficado convencido disso desde que li "ENRON: The smartest guys in the room", quando me dei conta que eminentes sumidades da Harvard Business School tinham engolido sem questionar todas as artimanhas da ENRON e da Anderson Consulting. Ou quando li que alguns dos seus ex-alunos (supostamente brilhantes) se envolveram em toscos esquemas piramidais e circulares de produção de lucro e calculavam a probabilidade de ter bons investimentos baseados apenas nos casos de sucesso, desprezando o que ia correndo mal. A estatística positiva (muito utilizada na astrologia) presta-se sempre a grandes espalhanços.

Via Ladrões de Bicicletas, aconselho a leitura deste texto publicado no Times que coloca em causa a economia como ela é dada actualmente nas mais eminentes universidades.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

A crise não é nada com eles

Um extra-terrestre que leia este texto do Abrupto só pode pensar o seguinte: a crise actual é culpa da União Europeia e do socialismo. Com o que lá está, só pode, não há outra alternativa! A crise não tem nada a ver com a ideologia que Pacheco Pereira defende, aquilo não é nada com eles!

O que aquele texto evidencia na realidade é o estado de niilismo em que mergulharam os catequistas das maravilhas do mercado, todos aqueles que andaram a cultivar a letargia colectiva, uma sociedade acrítica que aceita sem se questionar lucros colossais a partir de actividades não produtivas e que aceita passivamente que as suas economias sejam investidas em actividades de alto risco sem que ninguém lhes peça licença. Quantas vezes Pacheco Pereira criticou os processos da UE contra os abusos dos grandes monopólios, da banca e das grandes multi-nacionais (a Microsoft, a Google, a Monsanto, etc.), apelando indirectamente ao carneirismo, ao fechar de olhos à expansão do poder das empresas ao espaço público. O mais irónico é que este discurso ajuda a validar comportamentos que são contraproducentes em relação ao próprio mercado, contribuindo para o falseamento da concorrência.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Legado e assassinato de Martin Luther King


Em frente ao Lincoln Memorial, Washington DC, EUA, 2002.

Estou a acabar de ler "Os Pensadores" de Daniel J. Boorstin. À medida que me aproximo do fim do livro chego à terrível conclusão que a maior parte dos grandes pensadores da humanidade, os grandes inovadores de cada época, foram perseguidos, refugiados, condenados a prisão em julgamentos falseados, condenados à morte ou pura e simplesmente assassinados. Sócrates, Aristóteles, S. Bento de Núrsia, Lutero, Thomas Moore, Rousseau, John Locke, Marx, Einstein ou Ghandi são apenas alguns entre muitos exemplos. Martin Luther King foi um dos últimos pensadores a seguir este destino. A sua luta pacífica irritava profundamente a direita dura americana, que impossibilitada de organizar um julgamento falseado à moda antiga num cenário de opinião pública inflamada acabou por organizar um confortável assassinato. Não foi a extrema-direita, foi a direita dura, foi uma direita mais "responsável" e religiosa, a direita do racismo velado, foi essa direita a dar a ordem de assassinato. Ainda não perdi a esperança de sabermos um dia exactamente qual foi o grupinho de políticos que o arquitectou.

A eleição de Obama foi um maravilhoso acontecimento poético, um acontecimento que faz parte do valiosíssimo legado que a luta de Luther King nos deixou. E para essas contas tanto dá que Obama seja mau ou bom político, um presidente afro-americano também tem direito a ser mau político, sobretudo depois da catástrofe Bush-filho.

Obrigado Martin!

terça-feira, fevereiro 03, 2009

O mais pequeno exoplaneta



O satélite francês COROT observou o mais pequeno exoplaneta (planeta fora do sistema solar) descoberto até hoje. O planeta catalogado como COROT-Exo-7b tem um diâmetro ligeiramente inferior ao dobro do diâmetro da Terra. Mais um esforço e descobrimos o primeiro exoplaneta do tamanho da Terra. O COROT-Exo-7b foi observado indirectamente através da diminuição do brilho da estrela em torno da qual orbita quando a sua trajectória se interpôs entre a Terra e a referida estrela, como se pode ver no gráfico que acompanha a imagem artística da ESA.
A missão COROT é uma missão francesa, do CNES, mas conta também com a colaboração da ESA, da Áustria, da Bélgica, da Alemanha, do Brasil e da Espanha.

A Pimbalhização da Blogosfera

Os leitores que me conhecem sabem bem que não cultivo essa nostalgia idílica do "dantes é que era bom", no entanto sou obrigado a constatar que a blogosfera nacional está a tender para o pimba, como aconteceu com a televisão e está a acontecer com os jornais. Especialmente alguns dos grandes blogues, dos mais visitados, tornaram-se infrequentáveis. É post-relâmpago atrás de post-relâmpago acompanhado de fotografia-choque (sem citar a origem) que pode ser o sangue na Palestina, a fotografia de Sócrates transfigurada no photoshop, a foto da gaja boa ou ainda os apanhados do youtube.

A blogosfera sempre foi histérica, está-lhe no código genético, é um efeito secundário do imediatismo deste meio de comunicação. Mas passado o momento de histeria que acompanha um assunto de actualidade, passa-se ao pimba. O grande texto de reflexão e de análise do assunto que gerava verdadeira discussão faz-se raro e é cada vez mais desprezado. Não espanta por isso que blogues que têm mantido o nível, concorde-se ou não com eles, estejam a perder espaço, como é o caso do Abrupto. O Abrupto perde espaço sobretudo para a direita-pimba. Na direita tenho-me mantido fiel aos "velhinhos", ao Francisco José Viegas, embora desgoste do registo Correio da Manhã (parece-me forçado) a tender para a rebeldia conformista. Mas na direita temos ainda um Filipe Nunes Vicente que escreve cada vez melhor. Na esquerda temos um Luís Januário melhor, um Rui Tavares muito melhor embora raro, um Paulo Querido sempre em evolução e temos dois blogues colectivos recentes com qualidade (Jugular e Ladrões de Bicicletas), mas menos lidos do que merecem. Ganhámos ainda o excelente De Rerum Natura, onde a Palmira é uma grande aquisição da blogosfera.
No entanto entre o que se ganhou e o que se perdeu (refiro-me sempre aos blogues mais lidos), considero que se perdeu muito em qualidade, a discussão histérico-pimba domina, o dogmatismo domina e os assuntos-choque dominam. Não contem comigo para isso.

domingo, fevereiro 01, 2009

Mais de 1000 Anos de Aquecimento Global

(Publicado no portal Esquerda.net)
Foi publicado esta semana nos Proceedings of the National Academy of Sciences (publicação prestigiada a par da Science, da Nature e da Geophysical Research Letters) um trabalho da autoria de Susan Solomon onde se conclui que serão necessários mais de mil anos para recuperar do aquecimento do planeta gerado pelas emissões de gases de efeito de estufa. Anteriormente, estimava-se este período de recuperação em apenas cerca de 200 anos. O artigo intitulado "Alterações Climáticas Irreversíveis Provocadas pelas Emissões de Dióxido de Carbono" centra a sua tese no lento arrefecimento dos oceanos.

Segundo Solomon estes continuarão a aquecer a atmosfera durante mais de 1000 anos mesmo que se reduzam drasticamente as emissões de dióxido de carbono. Salomon dá alguns exemplos ilustrativos do impacto da irreversibilidade do clima durante mais de 1000 anos. Se a concentração de CO2 atmosférico se elevar a 600 partes por milhão em volume (ppmv) são de esperar longos períodos de secas em mais regiões do planeta e a subida do nível da água do mar provocada pela expansão térmica dos oceanos entre 40 cm a 1 metro, numa estimativa mais conservadora. O nível do mar poderá subir mais, entre 60 cm e 1,90 m, se a concentração de CO2 exceder 1000 ppmv. Deverá ainda adicionar-se a contribuição dos glaciares para a subida do nível da água do mar, que poderá ser da mesma ordem ou superior em vários metros durante este milénio.

Este trabalho de Solomon vem vincar a necessidade urgente de agir para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa sob pena de prolongarmos durante mais 1000 anos, a dezenas de próximas gerações de seres humanos, consequências nefastas e perenes para o clima do planeta.