sexta-feira, junho 27, 2008

Neoliberal seria acabar com a UE

Lamento, mas tanto o Ricardo Paes como o João Rodrigues não conseguem fundamentar minimamente a tese de que os tratados europeus são progressivamente mais favoráveis ao neoliberalismo. Vital Moreira tem muita razão nesta entrada. Quem leu um bocadinho sobre o conteúdo de cada um dos tratados sabe que o que se passou foi exactamente o contrário. O Tratado do Carvão e do Aço e o Tratado de Roma eram basicamente só economia. Só a partir do Tratado de Maastricht é que a União Europeia passou a ter um protocolo de política social, abandonando logicamente a designação de Comunidade Económica Europeia, como espaço puramente económico. De Maastricht até ao Tratado Simplificado (ou de Lisboa) tem aumentado o peso relativo de políticas sociais, ambientais e humanistas, de que a Carta dos Direitos Fundamentais é um dos melhores exemplos. Curiosamente a Carta foi a maior vítima dos NÃO francês e holandês. O que mostra bem o carácter de direita do NÃO europeu.

Concordamos certamente que estas políticas não chegam para domar os constantes delírios do mercado, mas é mais do que óbvio que o neoliberalismo se moveria muito melhor sem a União Europeia, ou quando muito no quadro de uma união mínima, ao nível do Tratado de Roma ou do Tratado do Carvão e do Aço, onde apenas seria levantados os entraves mínimos necessários à livre circulação de mercadorias. Se dúvidas houver basta ler o discurso profundamente anti-europeísta dos maiores ultra-liberais europeus e nacionais. Na blogosfera lusa isso é mais do que óbvio, em blogues como o Atlântico, o Blasfémias ou o Abrupto, seguidores de uma linha vincadamente atlantista e profundos crentes no Deus Mercado, o anti-europeísmo, o NÃO a todos os tratados e a todas as políticas europeias são imagem de marca e motivo de orgulho.

Sinceramente, acho que à esquerda, em particular no campo do BE e do movimento de Manuel Alegre, deveria haver um debate sério sobre políticas europeias, mas um debate sem a poluição dos chavões do anti-europeísmo dos partidos comunistas europeus, sem livrinhos vermelhos e sem a retórica da "esquerda pura" e dos "traidores" ou "vendidos". Deveria ser um debate sobre pontos concretos dos tratados, um debate linha a linha se fosse preciso, com pessoas que conhecem o conteúdo dos textos, para tirarmos a limpo de uma vez por todas o que de facto interessa ou não interessa à construção europeia.

quinta-feira, junho 26, 2008

210 portugueses candidatos a astronauta

A ESA divulgou esta semana o número de candidatos a astronauta por país membro e por sexo. Em Portugal fomos 192 homens e 28 mulheres a apresentar uma candidatura válida, num total de 210. É um bom número, estamos dentro da média dos países do clube dos 10 milhões de habitantes. No total foram apresentadas 8413 candidaturas válidas, entre as quais 1430 eram mulheres. A Alemanha e a França são os países com mais candidatos, curiosamente com mais do dobro dos candidatos do Reino Unido, sabendo que um dos requisitos obrigatórios era o domínio da língua inglesa.

quarta-feira, junho 25, 2008

O exame do 9º ano é fácil

Se o exame do 9º ano foi fácil, não o deveria ser, quem percorreu longas carreiras académicas sabe que se paga sempre, mais tarde ou mais cedo, a factura de provas fáceis.

Dito isto, há algo que me perturba muito mais nesta história do exame fácil. É registar a histeria com que o Correio da Manhã, o 24 Horas, a TVI e afins lidam com o assunto, como se fossem virgens intocáveis de educação televisiva, de rigor, de serviço público, é ver uma grelha da TVI e aquilo é só documentários e programas culturais, é abrir o Correio da Manhã e é só secções dedicadas à ciência e à cultura. O mais interessante ainda é constatar que quem surfa a fundo nestas ondas de histeria de mãos dadas com os referidos meios de comunicação, são os órfãos do Salazarismo e o PP, em particular o seu excelentíssimo presidente, famoso pelo belo exemplo que foi aquele colosso do ensino superior português: a Universidade Moderna.

A TVI é fácil



A TVI andou a transmitir durante anos um programa de variedades da vida real onde a principal actividade de jovens em idade escolar era coçar as virilhas durante horas a fio. Numa ocasião em que fui fazer uma acção de divulgação numa escola secundária de uma região onde o nível educacional dos pais dos alunos era baixíssimo, ao interpelar os alunos com a tradicional pergunta "o que queres fazer quando fores grande", um deles respondeu com um ar convicto "quero ser rico sem fazer nada". Nem futebolista, nem actor, nem modelo, a profissão era nem mais nem menos que não fazer nada. Na altura, lembrei-me logo do exemplo que os jovens do Big Brother, jovens que ganharam rios de dinheiro "sem fazer nada", representaram para todo um país onde a educação não é valorizada e onde se vê televisão em doses excessivas.
Reparem na semelhança do ambiente de falta de respeito do famoso vídeo da escola Carolina Michaelis e do vídeo da agressão no Big Brother da TVI.
O que foi escrito também serve para a SIC generalista.

O Correio da Manhã é fácil



Futebol, voyeurismo, mau gosto e sensacionalismo, reparem que em três capas a palavra sexo aparece escrita três vezes, uma vez pedofilia e uma vez gay.
Estas três ilustrativas capas foram seleccionadas apenas entre as publicações dos últimos 15 dias. Se recuássemos um bocadinho mais no tempo encontraríamos capas muito mais suculentas.
O Correio da Manhã é um jornal que não leio, nem a tiro. Se estivesse numa ilha deserta e o CM fosse o único jornal disponível preferia escrever na areia com os dedos notícias inventadas por mim do que ler o lixo imprimido no referido pasquim. Isso não me impede de ler alguns autores que por lá escrevem as suas crónicas, mas leio-os nos respectivos blogues cuja qualidade é infinitamente superior ao CM.
O que aqui escrevi também se aplica ao jornal 24 Horas.

segunda-feira, junho 23, 2008

A má matemática na aprovação do Tratado de Lisboa

A minha crónica deste fim-de-semana no portal Esquerda.net:

Nunca passaria pela cabeça de um bom matemático, um bom físico ou um bom profissional de uma outra área qualquer com sólidos conhecimentos de matemática, propor um esquema de aprovação de tratados europeus, como o esquema em vigor. É um esquema ingénuo do ponto de vista matemático e muito pouco democrático, vejamos porquê.

No actual processo de aprovação do Tratado Simplificado (ou de Lisboa), o texto é submetido a referendos independentes em cada país da União Europeia. Neste esquema um voto NÃO num dos países da UE é suficiente para anular o efeito de todos os SIM obtidos nos restantes países. O NÃO funciona neste caso como um elemento absorvente, tal como o zero na multiplicação. Analisemos três cenários diferentes para a aprovação do Tratado.

Cenário 1 - Vamos determinar a probabilidade um tratado europeu ser aprovado por dois países fictícios.

Na República da Escócia a probabilidade de NÃO e SIM vencerem é de 50% (50/100 ou 1/2) e no Pontificado de Varsóvia a probabilidade de NÃO e SIM vencerem é igualmente de 50%. Existem 4 resultados possíveis: SIM+SIM, SIM+NÃO, NÃO+SIM e NÃO+NÃO. Todos com a mesma probabilidade: 25%. Como o NÃO é elemento absorvente, a probabilidade do tratado ser aprovado é apenas de 25%, correspondente à probabilidade de obtenção do resultado SIM+SIM. A operação que realizamos para obter a probabilidade de aprovação de 25% é a multiplicação simples da probabilidade do SIM vencer em cada país, ou seja: (1/2)*(1/2)=1/4=0,25 -> 25%

Cenário 2 - Vejamos agora a probabilidade de aprovação de um tratado europeu por 27 países.

Admitindo de novo uma probabilidade de 50% (50/100 ou 1/2) de o SIM ou o NÃO vencerem em cada país, obtemos 1/2 multiplicado por si próprio 27 vezes! Ora (1/2)27=0,0000000075 -> 0,00000075%. Isto é, a probabilidade de aprovação do tratado é insignificante!

Cenário 3- A coisa não é assim tão simples, porque os tratados são definidos nas cimeiras de chefes de estado onde cada um opta por um tratado que reúna um amplo consenso no respectivo país, englobando o máximo de formações políticas. Por esta razão, em geral a probabilidade de um tratado obter um SIM em cada país é elevada. Pode ser superior a 90% no caso de um forte consenso nacional. No entanto, vejamos a probabilidade de um tratado ser aprovado num contexto de fortes consensos nacionais.

Admitindo uma probabilidade de 90% (90/100) de o SIM vencer em cada um dos países, a probabilidade do tratado ser aprovado em toda a UE é de (90/100)27 = 0,058 -> 5,8%.

Mas se a probabilidade do SIM vencer em cada país for de 97% (97/100) obtemos: (97/100)27= 0,439 -> 43,9% de probabilidade de aprovação... Só quando a probabilidade de o SIM vencer em cada país for superior a 98% é que a probabilidade de aprovação sobe acima dos 50%: (98/100)27= 0,580 -> 58,0%

A conclusão destes cálculos é que o actual sistema de aprovação de referendos torna quase impossível a vitória do SIM. Do ponto de vista formal temos a ilusão de estar perante um processo inteiramente democrático, onde todos os povos são chamados a votar, mas do ponto de vista matemático estamos a desafiar fortemente a matemática, estamos a querer ganhar no totoloto à primeira tentativa. Obviamente, isto é válido para a aprovação de tratados, mas seria igualmente válido para qualquer outro assunto sujeito a referendo. Imaginem que um dia seria possível submeter a referendo a aprovação de um salário mínimo europeu. Seria uma proposta condenada à morte logo à partida no esquema de aprovação em vigor.

A solução mais racional do ponto de vista matemático e de longe mais democrática seria organizar um referendo europeu no mesmo dia em que os votos de todos os países seriam somados conjuntamente - essa soma poderia obedecer a um factor de correcção ou de normalização para os países mais populosos não saírem beneficiados. No entanto, actualmente esta solução não é ainda possível dado que a maior parte das constituições nacionais não permite este tipo de processo.

Dado que este é um portal que dá voz à esquerda e apesar das esquerdas europeias estarem divididas entre um campo maioritário adepto do SIM (verdes, partidos radicais, partidos socialistas, liberais de esquerda, etc.) e um minoritário adepto do NÃO (partidos comunistas, correntes socialistas republicanas e outras esquerdas alternativas como o BE), uma causa comum deveria mobilizar toda a esquerda independentemente da posição política sobre a questão a referendo: o progresso da democracia europeia. Se hoje em dia as constituições nacionais não permitem a realização de referendos pan-europeus, será preciso mudá-las!

sexta-feira, junho 20, 2008

Jogar à forca

A: Diz lá quantos anos ainda vão durar as reservas de petróleo?
B: 125 anos!
A: Errado! Deixa cá desenhar o poste... Segunda tentativa, quantos anos?
B: 150?
A: Errado! Agora desenho o suporte da forca...
B: 75?
A: Errado! Agora a cabecinha...

Andamos há décadas nisto.
Vale a pena ler a Courrier desta semana.

quinta-feira, junho 19, 2008

Guus Hiddink

Se pudesse escolher, Guus Hiddink seria o próximo treinador da selecção. Hiddink faz parte daquela elite de treinadores que toca numa equipa e os resultados superam de imediato as expectativas. O mérito de Hiddink é o de transformar equipas recheadas de jogadores medianos em equipas vencedoras, capazes do impensável, lembram-se da Coreia em 2002? Da Austrália no último mundial? Agora temos a Rússia a jogar de uma forma desgarrada, como já não se via há anos. Foi também Hiddink que deu ao PSV a sua única vitória na Taça dos Campeões Europeus, na célebre final contra o Benfica do penalty falhado por Veloso. Por mim era entregar-lhe já um contrato, dar-lhe uma caneta, que ele assinava por bem menos do que a extravagância que tem sido paga a Scolari.

Mas, podemos estar descansados que a nossa federação já se está a preparar para contratar mais um amador como Humberto Coelho ou Oliveira, ou um indivíduo que só tem bons resultados com equipas fortes como o nosso excelentíssimo seleccionador. Ouvi dizer que o próximo seleccionador tem que falar português, mas como os nossos jogadores já são todos poliglotas, desconfio que deve existir alguém entre o staff da federação que receia ficar atrapalhado.

Treinadores estrangeiros para a selecção por ordem de preferência:
Guus Hiddink
Rafael Benites
Fabio Capello
Arsene Wenger
entre os lusófonos:
Carlos Alberto Silva
Paulo Autuori

Portugueses:
O Special One (não quer por enquanto, eu sei)
Carlos Queiroz
Jesualdo Ferreira
Augusto Inácio
Fernando Santos
Jorge Costa

terça-feira, junho 17, 2008

O NÃO ultra-liberal e atlantista da Irlanda

O grande vencedor do referendo irlandês foi Declan Ganley, ultra-liberal e atlantista, fundador do movimento Libertas, o movimento que mais se empenhou e mais gastou de longe na campanha do NÃO. Este movimento foi fortemente financiado por neo-conservadores americanos, parceiros de negócios de Ganley nos EUA, que temem o sucesso do projecto europeu. Nunca saiu tão barato aos neocons americanos boicotar a construção europeia, este referendo ficou muito mais barato do que o programa ECHELON, que durante anos a fio teve como objectivo combater a Europa através da espionagem industrial.

O Sinn Féin fez o papel da esquerda útil aos planos de Ganley, com um discurso contra o neo-liberalismo, mas votando de mão dada com os piores neo-liberais, tal como já se tinha passado em França com a LCR. E não me venham com tretas de que isto foi uma vitória dos povos, do proletariado, da verdadeira esquerda, o que mobilizou verdadeiramente foi o provincianismo, o populismo, o discurso pro-xenófobo e conservador, onde inclusivamente se juntaram movimentos anti-aborto, do multi-milionário Declan Ganley.

Vamos continuar na política da Cigarra?

Caro José Medeiros Ferreira,

Em primeiro lugar, se a anunciada cimeira europeia a que se refere nesta entrada é a mesma do próximo dia 19, ao contrário do que refere não encontra entre os temas de debate o importante problema do aquecimento global. No entanto, encontra a questão dos preços dos alimentos, que está directamente relacionado com o aumento do preço do petróleo, que considera mais urgente. Mas convém ter presente que a questão do preço dos alimentos faz sofrer mais gente, gente mais humilde, do que os patrões da empresas de camionagem.

Em segundo lugar, mesmo que a cimeira fosse dedicada em parte ao aquecimento global, ou a outras questões políticas de longo prazo como as energias alternativas, isso seria muito positivo porque contribuiria para evitar que no futuro ocorressem problemas semelhantes aos que estamos a viver agora com os combustíveis. Se há 20 anos tivéssemos levado mais a sério o desenvolvimento e a proliferação das energias alternativas não tínhamos chegado à actual situação de crise no preço do petróleo e por arrasto à situação de urgência no sector da camionagem que refere.

Se continuarmos a olhar para a política, com olhos de cigarra, os nossos filhos e os nossos netos não vão fazer outra coisa senão andar em permanência a resolver com urgência as asneiras que temos andado a fazer nas últimas décadas.

segunda-feira, junho 16, 2008

Estava-se mesmo a ver

A forma como este Tratado estava a ser aprovado, poderia trazer amargos de boca mais tarde ou mais cedo, estava na cara! Afinal foi mais cedo! Lamento, porque sou a favor deste Tratado e lamento que a Europa esteja entregue a europeístas de circunstância que só servem para complicar o que poderia ser simples.
O referendo irlandês também serve para provar o quanto está errada a matemática deste processo referendário, que conduz a resultados muito pouco democráticos, como já aqui expliquei antes.

sábado, junho 14, 2008

O dia da Roça

Admito, sou rocista!
As sábados, aqui em casa temos o hábito de pôr uma musiquita e roçamos com uma kizomba, um merengue do Luís Guerra, um som do Compay Segundo e até roçamos com chá-chá-chá, claro está.
Viva a roça Lusa e que se Dana International!

quinta-feira, junho 12, 2008

Um exemplo do "trabalho" de Rui Moura

Eu escrevi aqui em texto anterior que uma das principais actividades do autor do blogue niilista Mitos Climáticos era difamar e denegrir investigadores que fazem seriamente o seu trabalho, que publicam em revistas científicas com arbitragem, cujo trabalho é avaliado por rigorosos processos de análise.
Ora, nem por acaso a sua última entrada revela o "trabalho" que Rui Moura sabe fazer melhor, como não investiga, dedica-se à calúnia de baixo nível, o visado é o Prof. Duarte Santos.

Obrigado Abramovich!

Tudo o que tem sido feito pela selecção nos últimos anos, para que tenha as melhores condições possíveis para ganhar, campeonatos da Europa em casa, centros de treino zen-high tech, bandeiras nas janelas, etc., nada se compara ao que fez Abramovich ontem ao final da tarde. O meu sincero obrigado Roman!

Do ouro negro ao sorriso amarelo

O Paulo Querido tem toda a razão, foram décadas de desprezo e de escárnio em que se classificavam de "pessimistas" as projecções que iam sendo feitas sobre o futuro dos nossos recursos. Esse marialvismo anti-ecológico, esse tom jocoso, transforma-se agora em sorriso amarelo e chutos para canto, num emaranhado de desculpas que já ninguém acredita. O melhor é assumirmos uma vez por todas que é preciso acabar com a política da cigarra e pensar seriamente no planeta que estamos a deixar às próximas gerações.

terça-feira, junho 10, 2008

O Planeta é Finito

A revista Science & Vie lançou um interessantíssimo número especial dedicado ao maior problema da actualidade, à escassez dos recursos que utilizamos de uma forma mais intensiva: água potável, minerais, energia, alimentos, etc. A revista vem acompanhada de um útil atlas dos recursos do planeta, que ajuda a melhor compreender os vários desequilíbrios e focos de instabilidade geográficos associados à penúria de certos bens.
A não perder!

domingo, junho 08, 2008

A charlatanice climática em livro

A minha crónica deste fim-de-semana no portal Esquerda.net:


O político americano Marlo Lewis Jr. dedicou a obra "A ficção Científica de Al Gore" exclusivamente à crítica do livro de divulgação "Uma Verdade Inconveniente" de Al Gore. Estamos perante a obra de um autor sem formação científica que tem a pretensão de desmentir uma obra de divulgação científica de um autor, que embora não seja cientista, se baseou em trabalhos publicados em revistas científicas da especialidade.

O livro de Marlo é articulado num formato repetitivo onde se faz marcação cerrada a cada frase da obra de Al Gore, explorando até à exaustão o seu potencial para gerar a maior controvérsia possível. É uma velha e conhecida fórmula pseudo-científica muito utilizada por seitas exotéricas, pela cientologia, pelos crentes na ovniologia e pelos niilistas das viagens à Lua.

Logo na primeira frase do livro de Al Gore analisada por Marlo Lewis temos um exemplo desse frenesim gerador de controvérsia, nem que esta seja suportada por argumentação ainda mais errada do que aquela que pretende denunciar. Nessa primeira página do livro de Lewis a ignorância do autor é exposta, este não percebe que a capacidade da actividade humana alterar a concentração de vapor de água na atmosfera é insignificante, comparada com a capacidade para alterar a concentração dos restantes gases de efeito de estufa. Para além disso Marlo ignora que em bom rigor qualquer gás presente na atmosfera com orbitais atómicas ou orbitais moleculares pode emitir ou absorver radiação, podendo potencialmente contribuir para o efeito de estufa. É também evidente que Marlo Lewis desconhece a importância dos contributos relativos de cada gás, desconhece que a complexidade das orbitais moleculares do CO2 é muito superior à das moléculas de vapor de água, tal como a capacidade para interagir com a radiação.

A obra falha em absoluto no seu objectivo principal, não revelando qualquer erro inerente à ciência que fundamenta o aquecimento global e em particular inerente à obra de Gore, aliás como já tinha concluído a conhecida resolução de um tribunal britânico e a análise dos investigadores do IPCC sítio de divulgação Real Climate. No entanto, o pouco que é exposto nos vários prefácios da obra de Marlo Lewis e na capa da mesma obra apresenta, aí sim, graves erros científicos. Na capa encontramos o pior erro, onde se pode ler que o actual aquecimento global "resulta de ciclos climáticos naturais em que o ser humano tem pouca ou nenhuma influência". Ora, não existe qualquer trabalho científico publicado em revistas da especialidade onde essa tese seja fundamentada à custa apenas dos ciclos naturais, pelo contrário existem milhares de artigos publicados em revistas da especialidade que indicam claramente o contrário, indicam que a actividade humana com uma probabilidade superior a 95%, é a responsável pelo aquecimento global (ver gráfico do cálculo do forçamento radiativo).


Recentemente, Gavin Shmidt, um dos investigadores do Real Climate, ao ser solicitado para comentar as opiniões de Marlo Lewis, respondeu que o número de disparates debitado por Lewis é tal que torna inviável a formulação de comentário sério às suas posições. Estamos pois, no registo da charlatanice barata.

Mas, dado o vazio científico da obra, onde não encontramos referências a trabalho científico publicado em revistas com arbitragem, o mais interessante nesta publicação é a revelação de que principal o responsável pela tradução desta obra é Rui Moura. Rui Moura é um conhecido blogger (pelas piores razões) que não investiga, mas que dedica uma boa parte do seu tempo a difamar e a denegrir o trabalho realizado pelos melhores investigadores na área da climatologia, sobretudo o trabalho publicado em revistas de prestígio como a Nature ou a Science, sujeito a rigorosíssimos processos de arbitragem pelos pares. Por exemplo, no seu blogue niilista Mitos Climáticos, Rui Moura refere-se à ciência de ponta em climatologia, como "ciência oficial", insinuando assim o falseamento de resultados, caluniando a eito os melhores investigadores internacionais e nacionais, cidadãos que se levantam cedo todas as manhãs e deixam tarde do trabalho para dar o seu melhor para contribuir para o conhecimento científico. Rui Moura foi também um dos que contribuiu activamente para o boato que Al Gore era mentiroso e que o seu trabalho continha 9 erros científicos. Escreveu-o várias vezes no seu blogue, mas acabou por tudo apagar quando a verdade sobre o trabalho de Gore foi revelada. Ironicamente no prefácio desta obra, Rui Moura já se refere noutros termos à obra de Gore e transforma a classificação de "erros" em "afirmações não consensuais", é a cambalhota possível quando se escrevem disparates graves.

Mas a ingenuidade científica do responsável pela tradução portuguesa desta obra atinge o auge na passagem em que o tradutor agradece a ajuda na tradução de amigos e familiares... A tradução de uma obra que tem a pretensão de fazer um desmentido de assuntos que requerem a máxima isenção, conhecimentos científicos e técnicos precisos, foi afinal feita com a ajuda de amigos e família, é precisamente aqui que tocamos na fronteira que separa a ciência da charlatanice.

sábado, junho 07, 2008

Sábado em Coimbra XL: lendo Afonso a Afonso

Ando a ler a biografia de Afonso Henriques de José Mattoso.
Sento-me na esplanada do café Santa Cruz e leio-a em pensamento alto para o Afonso ouvir, ele está ali dentro na igreja, a apenas alguns metros.
Li-lhe a passagem onde Viseu é apontada com grande probabilidade de ser a cidade do seu nascimento. Ele não se descoseu, nem uma nem duas.
Quando lhe descrevi a reacção de cólera gerada em Guimarães à recente descoberta dos historiadores, o Afonso mandou uma grande cabeçada com o seu capacete de metal na laje que cobre o seu túmulo, ouvi-o às voltas lá dentro, muy agitado...

Sábado em Coimbra XXXIX

quinta-feira, junho 05, 2008

Em directo da retrete de Ronaldo!

Aqui na Klepsýdra, com o único intuito de aumentarmos as nossas audiências em flecha, e os nossos objectivos não são modestos, queremos ultrapassar a TVI, conseguimos um contrato exclusivo com a retrete de Cristiano Ronaldo em Neuchâtel!

Assim, diariamente vamos transmitir em directo a imagem e o som dado pelas 25 webcams instaladas na dita cuja e pelos 57 microfones cirurgica e estrategicamente apontados. Vamos ter entrevistas exclusivas com a representante da marca de cueca do Cristiano, documentários sobre a empresa responsável pela investigação e desenvolvimento do inovador autoclismo da retrete, vamos ter em estúdio, em tradução simultânea, os comentários dos técnicos suíços da rede de esgotos de Neuchâtel e, inclusivamente, o testemunho na primeira pessoa, de um emigrante português responsável pela secção de esgotos que serve a casa de banho do Cristiano. Vamos ter um debate entre intelectuais especializados em ambientadores de casa de banho com a presença do Xôtor José Eduardo acérrimo defensor da Alfazema, do Comendador Francisco Pinto apologista do perfume de rosa e do Comissário Oliveira que patenteou a Aloé Vera em colaboração com a Monsanto. Teremos ainda um documentário assumidamente sensacionalista sobre a tenebrosa conspiração do Comité Nobel para impedir (injustamente) a atribuição do prémio Nobel da Física ao inventor do WC Pato, que será comentado por conhecidos bloggers especialistas em conspirações mundiais, em particular especialistas em conspirações arquitectadas pelo Comité Nobel.

Não percam! É já a seguir!

Será o urânio uma alternativa ao petróleo?

Reservas estimadas em milhares de quads (1 quad=1018 joules):

Petróleo - 10
Gás Natural -10
Urânio -10
Carvão - 140

Fonte: Jeffrey P. Freidberg, MIT

E se, tal como o petróleo, em breve o preço do urânio começar a disparar? Ok, sabemos que o urânio está muito mais sujeito a leis proteccionistas e por isso mais ao abrigo da especulação, mas reparem que não existe uma grande diferença no potencial energético das reservas estimadas de petróleo e de urânio. Será o urânio uma alternativa ao petróleo? Tenho as maiores dúvidas...

terça-feira, junho 03, 2008

Os Ecologistas tinham razão

Há décadas que as principais organizações ecologistas, os Verdes Europeus e ecologistas por conta própria como Nicolas Hulot e Yann Arthus-Bertrand tentam alertar os cidadãos, empresários e políticos, especialmente estes últimos que são quem toma as principais decisões, sobre os sérios riscos que estávamos a correr ao explorar de uma forma intensiva os recursos do nosso planeta, na prática como se ele fosse infinito. O aquecimento global, a utilização errada de biocombustíveis, o problema da falta de água potável, o esgotamento das reservas de peixe, a penúria dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão, urânio, etc.) foram alguns dos grandes problemas para os quais se vem chamando a atenção há décadas e que agora começam a ter um impacto brutal na factura diária do cidadão.

Foi barato, muito barato, durante décadas apostar em políticas erradas que favoreciam a utilização em massa de combustíveis fósseis, mas a nossa e, sobretudo, as próximas gerações vão receber uma pesadíssima factura a pagar, e não é apenas uma factura como a do relatório Stern, em que só entram os custos do aquecimento global, os custos vão ser bem piores porque vão acumular os vários problemas descritos e cuja solução continuamos a adiar.

Durante décadas ouvimos discursos de algum marialvismo político contra os ecologistas, muito tom jocoso e sorriso paternalista que agora se transformou em sorriso amarelo quando se percebe a importância fundamental dos problemas ecológicos. No nosso país, onde abunda lixo, desorganização do território, aberrações urbanísticas e falta de respeito geral pelo ambiente, isto é especialmente verdade. Talvez o balde de água fria do aumento dos combustíveis sirva para trazer algumas pessoas à razão.

segunda-feira, junho 02, 2008

[REC] Regista o medo



"[REC] Regista o medo" de Paco Plaza e Jaume Balaguero é excelente filme fantástico (terror se quiserem), muito bem filmado, com um argumento bem articulado que consegue manter quase na perfeição a intensidade do filme até ao último minuto. Sublinho intensidade do filme e não suspense, é na intensidade que este filme espanhol se destaca dos demais no género fantástico.
Tudo começa com uma banal reportagem de televisão cujo objectivo é acompanhar passo a passo o trabalho nocturno de uma corporação de bombeiros. A apresentadora do programa é sensacionalista, uma verdadeira predadora da imagem e do pequeno sentimento, muito semelhante ao tele-lixo da TVI e da SIC a que estamos habituados. A partir daqui não digo mais nada! Ide ver o filme! ;)

Sendo um cliente muito difícil deste género de cinema - o último filme fantástico muito bom que vi foi "Funny Games" de Haneke - acrescento que esta minha sugestão cinematográfica vem rotulada de 5 estrelas Klepsýdra.

Filme Klepsýdra ***** (5 estrelas)

A futura exploração de Marte

É o tema do meu artigo deste fim-de-semana no portal Esquerda.net.