Exceptuando o período dos debates a dois, o conteúdo do restante debate destas presidenciais foi muito fraquinho. Observei consternado como temas importantes de influência presidencial foram apenas aflorados, sendo o debate fortemente marcado pelos pecados dos candidatos (a traição, a idade, falar de economia, etc.) e pela lavagem de roupa suja do passado. A constelação de "cromos repetidos" que se apresentou às presidenciais deixava antever este tipo de conteúdo político, como aqui tinha alertado. Ainda houve uns frequentes "agora não falo do passado", mas os candidatos não resistiam à pergunta seguinte, era mais forte do que eles, e prontamente no mesmo minuto lembravam um episódio passado.
Considero tudo isto lamentável num país que se encontra estagnado e atrasado. Ficou assim por debater seriamente e com profundidade o papel do Presidente em assuntos importantes como as soluções para combater a estagnação. Vamos continuar a apostar na mão-de-obra barata e na redução de impostos ou vamos apostar na qualificação, na qualidade, na especialização, na ciência e na tecnologia? Vamos continuar a ser um país ultra-centralista ou vamos optar por uma regionalização democrática e efectiva? Sobre as soluções para as grandes questões do nosso atraso falou-se muito pouco. Dá a sensação que achamos normal sermos o país com menores qualificações da Europa (de longe!), o país onde ainda existe um défice de laicidade e de respeito pelas mulheres, onde os imigrantes esperam anos para obter o mais simples documento, onde o ordenamento do território é rigorosamente terceiro-mundista e onde por dois tostões se destrói património histórico ou natural para construir um caixote de 9 andares. Há que juntar a tudo isto as questões internacionais que ficaram por debater. Qual o nosso papel na UE, na ONU, na NATO ou na comunidade PALOP?
Putas na estrada e a "Europa neo-liberal"
Houve momentos em que fui fulminado pelo conservadorismo do debate, sobretudo à esquerda. Cavaco não me surpreendeu, foi o mesmo de sempre, exceptuando duas ou três tiradas para piscar o olho ao eleitorado de centro-esquerda. Mas as posições dos candidatos de esquerda sobre a prostituição fizeram corar de vergonha aquela pequena bandeira nacional que tenho cá dentro de mim. Tirando Louçã, para o resto da rapaziada de esquerda é "putas à beira da estrada" e não se fala mais em bordéis em nome dos direitos humanos. Está bem... Lembro apenas que esta semana foram legalizadas associações de senhoras que se prostituem no Reino Unido e aumentadas as penas ao proxenetismo. Estamos na crista da onda, tal como na questão do aborto, está visto!
Depois há questão já recorrente de alguma esquerda mal informada que gosta de classificar a UE como neo-liberal. Alegre lembrou-se dessa para se demarcar de Soares e juntou-lhe algumas pitadas de patriotismo que já não se usa na esquerda desde o Maio de 68. Ora, a ser verdade que a UE é neo-liberal, então o planeta é ultra-liberal! Onde é que há direitos sociais, tempo de férias, horários de trabalho e assistência médica como existe na Europa? Será na América do Sul das desigualdades? Será na África da exploração? Será na Ásia das 12 horas diárias de trabalho? Será nos EUA dos 20% de habitantes sem cobertura médica e quase 1% na cadeia? Talvez no Canadá... Ou será no nosso miserável país? Já agora porque é que os maiores neo-liberais da Europa são anti-europeístas e são contra o Tratado Constitucional? Além disso, alguém tem que explicar ao homem que a UE já é federalista há muitos anos - ainda antes da nossa adesão - e que a corrente federalista europeia é a que defende o reforço do Parlamento Europeu (logo da cidadania) ao contrário da corrente soberanista que defende mais o Conselho Europeu (onde estão os neo-liberais e os nacionalistas). À custa destas posições euro-cépticas muito mal informadas, Alegre está a conseguir tirar-me a vontade de ir às urnas na segunda volta, se a desgraça for adiada para essa ocasião obviamente.
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