terça-feira, novembro 30, 2004

Radicalmente pelo SIM

No referendo sobre o Tratado Constitucional da União Europeia votarei "sim", mas não será um "sim" qualquer, será um "sim radical". E o meu "sim" será radical para o distinguir do "sim" do PSD e do PS, onde excepto uma minoria de pessoas verdadeiramente interessadas pelo desenvolvimento do projecto europeu, o voto no "sim" será mais uma questão de obediência aos grupos políticos a que fazem parte no Parlamento Europeu do que propriamente algum interesse especial pela Europa. Quanto ao "sim" do PP, nem precisarei de me demarcar, julgo que é pura ficção para enganar tolos. Lá atrás do biombo de voto, a sós com o boletim de voto, a caneta não se irá enganar, aquele nacionalismo primário do PP será mais forte do que eles e votarão "não". Já os ouviram defender uma palavra que seja do tratado? Eu não.

O meu "sim" é também radical porque é o "sim" de uma esquerda que espera mudanças radicais em dois dos principais assuntos da política internacional: o respeito pelo ambiente e pelo direito internacional. Explicarei na Klepsýdra até ao referendo como estas duas questões poderão beneficiar de um "sim" ao tratado. Este "sim" é o "sim" de uma esquerda ecológica que não alinha na fraude dos "Verdes" dentro do PCP, é o "sim" do sector do BE que não alinha numa estratégia de votar "não" que apesar de poder trazer frutos eleitorais é uma estratégia que atrai mais para o campo do Bloco aqueles que preferem destruir do que os que preferem construir e mudar o estado actual do planeta e é também o "sim" da esquerda que abarca os sectores mais dinâmicos da pasmaceira do PS.

Primeiro motivo para votar "sim": a simplificação dos tratados
Quando se começou a discutir o conteúdo do tratado, ponderava votar "sim", mas era sensível a certas questões apontadas de uma forma acertada por algumas pessoas como o Miguel Portas. No entanto, nunca achei essas questões suficientemente relevantes para justificar um "não" ao tratado Constitucional. Mais tarde, o meu "sim" passou de um "sim prudente" a um "sim radical" quando me dei ao trabalho de ler o emaranhado de tratados que regem a União Europeia (UE), a saber:

1) 1952: o tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (expirou há apenas dois anos).
2) 1957: os tratado de Roma que instituíram a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM).
3) 1992: o tratado sobre a União Europeia (Maastricht).

Depois temos os tratados que introduziram alterações aos tratados:

4) 1986: o Acto Único Europeu alterou o tratado da CEE.
5) 1997: o tratado de Amesterdão alterou o tratado de Maastricht.
6) 2001: o tratado de Nice preparou a UE para a adesão dos 10 novos países.

Só o simples facto de o tratado Constitucional da UE condensar todos estes tratados num único texto já merece o meu aplauso, mas se entrarmos nos detalhes do conteúdo de cada um dos tratados, a urgência do tratado Constitucional torna-se, na minha opinião, radicalmente importante. Actualmente, estamos perante um autêntico puzzle legislativo, as peças da legislação europeia estão dispersas pelos diversos tratados e constituem um entrave importante para que os cidadãos europeus percebam a união de países a que pertencem. Esta simplificação é radicalmente importante porque tem impacto na vida do cidadão comum, visto que facilita bastante a interpretação da legislação europeia e por conseguinte a vida de todos os que tiram partido da existência do espaço comum europeu, como: empresas, investidores, emigrantes, consumidores, redes europeias de transportes, instituições internacionais de investigação científica (CERN, ESA, ESO, ESRF, etc.) ou observatórios e redes de ciências sociais e humanas.

segunda-feira, novembro 29, 2004

Apelo ao boicote ao leitão da Bairrada

Começo a ficar saturado dos barretes que vou levando na Mealhada. O leitão anda a ser muito mal tratado. Começa logo por esta mania incrível que há em Portugal de construir restaurantes à beira de estradas nacionais cheias de trânsito, como é o caso da EN1 que passa na Mealhada. Depois é cada vez mais difícil encontrar restaurantes em que as mesas não estejam umas em cima das outras em ambientes de salão que não justificam nada essa disposição. Se fossem caves ou espaços rústicos ainda se tolerava. Finalmente quando o leitão é servido percebemos que a falta de imaginação começa a alastrar até a restaurantes onde já houve um certo cuidado e uma certa qualidade, como é o caso dos "Três Pinheiros". O leitão é agora constantemente servido numa travessa de latão tipo loja dos 300 e muito frequentemente é aquecido no micro-ondas, isto quando não o servem frio sem perguntar ao cliente qual a sua preferência. Pelo menos nos restaurantes que apostam mais na qualidade acho que o leitão poderia ser servido num recipiente mais condigno, poderia ser em barro, em madeira ou até mesmo numa folha de couve. Para compor o ramalhete, lá vêm umas batatas "pala-pala" de pacote e uma salada manhosa a acompanhar o pobre do leitão. Não há imaginação para servir o leitão com uns vegetais cozidos agres, ou umas batatas cozidas com a pele, ou umas batatas a murro, ou uma salada decente que não se resuma a uma folha de alface e a um quarto de tomate. Há um sem fim de opções para dignificar o leitão da Bairrada, mas parece que há um gosto mórbido de querer nivelar a coisa por baixo.

Esta semana foi criada a confraria do leitão na Mealhada. Espero bem que seja constituída por gente com ideias e alguma imaginação, a Bairrada bem precisa. Enquanto as coisas não mudarem apelo ao boicote ao leitão!

domingo, novembro 28, 2004

Andamos a brincar aos governantes

Quatro meses após uma remodelação ministerial, faz-se uma nova remodelação...
Quatro meses após uma remodelação ministerial, cria-se um novo ministério...
Uma semana após a criação deste novo ministério, o ministro responsável demite-se!

Exmo. Sr. Presidente da República faça uso dos seus poderes, por favor!

quinta-feira, novembro 25, 2004

A desculpa sobre a pergunta é um bocado manhosa

Já começa a ser crónico nos referendos a argumentação dos mais conservadores de que o "não" se justifica porque a pergunta ou é muito complicada, ou é manipuladora, ou é muito comprida, ou é curta, ou foi escrita a tinta preta, ou o quadradinho não tem espaço para a cruz, tudo atrapalha! Foi assim com o aborto e a regionalização e volta a acontecer o mesmo com o referendo sobre o tratado constitucional da UE.

O "constrangimento constitucional existente, exclui referendos directos e genéricos sobre tratados (e o mesmo sucede aliás em relação às leis)", como lembra bem Vital Moreira. É esse constrangimento que tornaria sempre a pergunta sobre o tratado constitucional pouco ortodoxa. A pergunta não é boa, mas não é o formato da pergunta em si que vai fazer o eleitor decidir entre votar "sim" ou votar "não". Aliás o eleitor quando se interessa por um assunto não se atrapalha com a pergunta, nem os eleitores com menor formação. A prova são essas assembleias de clubes, que têm às vezes milhares de participantes em que se vota e se discute até à vírgula se o regulamento X do "Benfica" impede o tesoureiro de comprar agrafos ou pomadas para as virilhas dos atletas. Por isso, esse choradinho "estão-nos a fazer de parvos" sobre a pergunta do referendo não cola lá muito bem.

Erasmus lusófono

Em conversa com um angolano a estagiar aqui no laboratório, percebi que existe uma grande dificuldade em fixar pessoal qualificado nas universidades africanas nas áreas científicas, nomeadamente em Luanda. É difícil atrair docentes estrangeiros e os poucos angolanos que se formam ou vão para fora ou vão para a industria petrolífera.

Um Erasmus lusófono poderia dar uma ajudinha a mudar a situação. A circulação de jovens estudantes cheios de ideias, de iniciativa e de curiosidade poderia facilitar a criação de empresas, de associações científicas, de projectos e de redes de cooperação entre universidades no espaço lusófono.

quarta-feira, novembro 24, 2004

Recomeçou o anti-francesismo primário

Chegou a segunda vaga de anti-francesismo primário. A primeira vaga lançada pelos falcões do Partido Republicano, cuja propaganda teve algum eco na Europa, garantia-nos pedagogicamente que a França era a culpada de todos os males do mundo e que no Iraque tudo iria correr bem (como se está a verificar). Agora, nada melhor que um referendo europeu para descarregar todo o ódio primário sobre os franceses e para ir buscar aquela xenofobia pequenina (vulgo provincianismo) que todos nós temos arrumada lá num cantinho da bilis.

O texto sem pés nem cabeça do João Miranda no Blasfémias abre as hostilidades. Leiam-no e se tiverem paciência comparem os disparates que lá estão sobre os franceses, por exemplo, com a história colonial portuguesa e seus mapas megalómanos, abusos, mercantilismo, etc.

Até ao referendo sobre a constituição vamos voltar a ouvir de tudo sobre a França e os franceses: são porcos, não lavam os pés, só comem queijo, falam francês em vez de falar inglês, pior ainda escrevem em francês, fazem péssimos filmes e ainda por cima são falados em francês sem legendas em inglês, são arrogantes, invadiram-nos e perderam no Buçaco que é bem feita, só pensam em sexo, são jacobinos, têm canais de TV gay (o enquadramento de jacobinos é propositado), por cima do Parlamento de Estrasburgo há muitas nuvens cinzentas, Malraux=Carrillho=Santana, enfim as parvoíces do costume.

terça-feira, novembro 23, 2004

Pleamar

Quiero volver a aquellos días de mi infancia junto al mar de Cádiz,
aireándome la frente con las ondas de los pinares ribereños,
sintiendo cómo se me llenan de arena los zapatos,
arena rubia de las dunas quemantes, sombreadas a trechos de retamas.

Rafael Alberti

segunda-feira, novembro 22, 2004

As minhas utopias

um "Erasmus" lusófono, alunos de Cabo Verde, Angola,
Moçambique, Portugal, Timor, S. Tomé, Brasil e Guiné,
tudo a circular...

quinta-feira, novembro 18, 2004

Urânio de Senhorim: há limites!

Talvez o pior protesto popular que assisti até hoje foi o dos representantes do movimento que pretende elevar Canas de Senhorim a concelho. Refiro-me à inqualificável manifestação em que alguns irresponsáveis tiveram a brilhante ideia de levar sacos contendo 500 kg de urânio até à entrada do palácio de Belém. O urânio é um material radioactivo presente na natureza, que ingerimos e expelimos diariamente, mas 500 kg de urânio não são propriamente quantidades comuns às quais somos expostos por simples acção da natureza. A inalação de grandes quantidades de urânio apresenta alguns riscos tanto do ponto de vista da sua radioactividade (perigosa para os rins) como da sua toxicidade. Nas imagens que vi na televisão, apareciam dois irresponsáveis a abrir os sacos e fazer escorrer entre os dedos das mãos o urânio como se fosse areia, enquanto proferiam ameaças ao Presidente Sampaio como se tivessem ali uma mini-bomba atómica. Já agora, como é que um grupo de pessoas leva 500 kg de urânio de autocarro para Lisboa e não dá contas disso a ninguém? E as regras de transporte de materiais perigosos e radioactivos não se aplicam? Pelos visto se o Ben Laden andar aqui pela lusitânia com sacos de urânio às costas ninguém o chateia.

A telenovela de Canas continua com o urânio como personagem principal, ontem foram recebidos pelo Ministério do Ambiente, o mesmo ministério que deveria ter apreendido o material da manifestação em Belém e que deveria ter no mínimo detido os irresponsáveis que andavam para ali com os sacos de urânio. Mas pelo tom dos intervenientes o crime compensa. Saíram contentes do encontro. Com sorte e uma pitada de populismo lá vamos ter nós mais uma câmara municipal para pesar no orçamento. E a avaliar pelas acções dos potenciais autarcas vai ser linda a futura câmara de Senhorim...

quarta-feira, novembro 17, 2004

A primeira órbita lunar da SMART

Ontem correu tudo bem e a SMART iniciou a sua primeira órbita à volta da Lua. O sítio da ESA inaugurou um serviço de informações multilingue. Podemos ler aqui a descrição da missão SMART em português até à sua entrada na órbita lunar e as tarefas que vai desempenhar quando atingir uma órbita estável confinada entre as altitudes de 3000 km acima do pólo norte lunar e de 300 km acima do pólo sul.

terça-feira, novembro 16, 2004

SMART na EuroNews

A rubrica Space da Euronews vai incidir esta semana sobre a missão SMART (a ligação inclui mini-filmes em português), nomeadamente a equipa de investigadores responsável pela mini-câmara instalada a bordo. Aqui fica o horário da rubrica Space:

Segunda 12:45 18:15 00:15
Terça 12:45 18:15 00:15
Quarta 12:45 18:15 00:15
Quinta 12:45 18:15 00:15
Sexta 17:45 20:45 00:15
Sábado 12:45 21:15 00:15
Domingo 12:45 18:15 00:15

Continuo sem perceber porque é que a Euronews no seu serviço normal deixou de ser traduzida para português e percebo ainda menos porque é que este verdadeiro canal de serviço público foi chutado para o canal 52 da TV cabo. Será por razões ideológicas?

Respeito por Arafat

No Almocreve das Petas podemos ler este excelente texto onde se relembra que apesar de tudo, o que se passou a semana passada foi a morte de Arafat, a morte de um homem, e não um concurso televisivo de mau gosto de atribuição de um lugar na história de herói ou de assassino. A história de Arafat será escrita e analisada durante muitos anos, independentemente do barulho das "claques" que agora se esganam.

Marek Halter, escritor judeu, que se encontrou frequentemente com Arafat desde tempo do seu retiro na Tunísia, testemunhou este fim de semana no "Tout le Monde en Parle" as suas ideias sobre o ex-líder palestino. Relatou o seu cepticismo em relação às verdadeiras intenções de Arafat, nomeadamente a dificuldade que Arafat teve em admitir o reconhecimento da existência do estado judaico e a duplicidade nos discursos que proferia em inglês e em árabe. Mas Marek desmistificou muita da propaganda maldosa que anda por aí sobre Arafat, nomeadamente sobre as contas bancárias e sobre a sua suposta actividade terrorista nos últimos três anos. Marek descreve um homem extremamente doente e com uma incapacidade física e mental bastante avançada. Segundo Marek a conta de Arafat na Suiça serviria como um fundo de reserva destinado à Palestina e não para uso pessoal, ele relembra que Arafat não andava de Rolls Royce e que a sua retrete nos últimos três anos era um buraco. Marek relembra ainda que na Palestina as instituições bancárias não funcionam como nos países normais e, segundo Marek, uma grande parte do dinheiro em nome de Arafat na Suiça foi fruto de algo bastante corrente no médio oriente, que é o pagamento de empresas petrolíferas para prevenção de ataques a oleodutos.

sábado, novembro 13, 2004

O salto "esperto" até à Lua

De 15 para 16 de Novembro a sonda europeia SMART - assim chamada por a sua propulsão ser efectuada por um motor iónico, considerada uma smart technology - vai completar o seu "salto" para a órbita da Lua. Em vez de uma trajectória directa em direcção à Lua, a SMART anda há alguns meses a ganhar balanço à volta da Terra até o seu motor "esperto", baseado no efeito de Hall, aumente a sua energia cinética até valores que permitam à SMART saltar para a órbita lunar. Vai ser como naqueles filmes em que cavaleiros a galope saltam para dentro de um comboio em andamento. No esquema abaixo representado podemos ver a cronologia da missão até a sonda SMART ganhar uma órbita estável à volta da Lua. A linha verde representa a órbita da Lua e a vermelha representa a trajectória da SMART (esquema do sítio da ESA).

Isto é terrorismo ou não?

No filme "Spy Game", baseado numa história verdadeira, o realizador Tony Scott relata abertamente um atentado brutal articulado pela CIA em Beirute durante os anos 80. Faço notar que o filme saiu antes do 11 de Setembro. Para os que andam constantemente a colar o rótulo de "terrorista" a tudo o que mexe fica a pergunta: como é que é, isto é terrorismo ou não?

(© 2001 - Universal Pictures)

sexta-feira, novembro 12, 2004

Sharon: postura de estado, postura de estorvo

Todos assistimos às mórbidas declarações de Sharon, acompanhadas de um largo sorriso, sobre o local onde autorizaria ou não o enterro Arafat. Os pecados de Arafat são conhecidos, mas por muito grande que fosse o ódio de estimação Sharon em relação a Arafat existem circunstâncias da vida em que dois adversários políticos devem um mínimo de respeito mútuo. Um desses momentos é quando um dos adversários está às portas da morte. Sendo Ariel Sharon primeiro-ministro de Israel a sua falta de postura de estado perante os últimos momentos do seu adversário é absolutamente repugnante e só ilustra o espírito com que Sharon sempre encarou o problema palestiniano, agindo frequentemenete com muita falta de respeito e humilhando quando possível os adversários. Sinceramente, perante posturas de estado deste género (que mais parecem posturas de estorvo) julgo que os chefes de estado e os governos dos países livres e democráticos deveriam reduzir ao mínimo as suas relações com um personagem deste calibre.

"Quando cair o teu inimigo, não te alegres,
nem quando tropeçar se regozije o teu coração,
para que o Senhor não o veja, e o desgoste
"
Provérbios, 24:17,18 (na Rua da Judiaria)

quinta-feira, novembro 11, 2004

Arafat: há alturas em que prefiro não ter razão

Espero sinceramente que o Aviz e o Nuno Guerreiro tenham razão. Eu não concordo com eles sobre o facto de ter sido Arafat o principal obstáculo à paz, mas desejo ardentemente estar errado. Acho que o falhanço dos acordos de paz se deve mais ao assassínio de Rabin, à eleição de Benjamin Netanyahu e de seguida à radicalização das acções do Hamas. Na minha opinião Arafat foi levado no turbilhão da escalada de violência que se seguiu, tal como muita gente no campo israelita que se esforçou para obter a paz. Para além disso, não ajudaram em nada os últimos três anos de Arafat em que este esteve muito doente e enclausurado à força por Sharon que se recusou sempre a negociar directamente com o próprio Arafat. Agora, impossibilitada que está a concretização da vendetta pessoal de Sharon em relação a Arafat, espero que o Nuno Guerreiro tenha razão, que existam outras pessoas do lado palestiniano com capacidade de dialogar e que se cumpra também o seu desejo de que "seria agora a vez de Ariel Sharon abandonar o governo israelita, de forma a permitir que o retomar das negociações de paz possa ser feito sem a presença de figuras polarizadoras". Além disso, eu gostaria de ver Sharon a ser julgado pela sua responsabilidade nos massacres ocorridos no Líbano nos anos 80, mas se for preciso abdicar disso para se obter a paz, é preferível. Sharon não merece assim tanta importância.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Europa destrói um muro e os EUA constroem outro

Apenas um mês depois da queda do muro de Berlim ocorrida há 15 anos, na cimeira de Estrasburgo a CEE decidiu criar o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento com o intuito de ajudar os países da Europa central e de leste recentemente libertados das garras do Império Soviético. Esse foi um primeiro passo dado pela União Europeia (UE) até à integração de quase todos esses países no seu seio ocorrida no passado 1 de Maio (faltam alguns países balcânicos, a Roménia e a Bulgária). Fruto dessa política solidária, todos esses países atingiriam níveis de crescimento e de desenvolvimento notáveis, recuperando em apenas alguns anos uma boa parte do atraso que tinham em 1989 para os restantes países da UE. Por exemplo, hoje a Eslovénia é um país já com indicadores económicos superiores aos de Portugal.
Esta recuperação de um espaço geográfico extenso para o campo da democracia e do desenvolvimento foi talvez a melhor medida da história da União Europeia.


Muro entre os EUA e o México, 2001 (para os que chamam "cerca" ao muro Israelo-palestiniano, corrijo para: duplo muro entre os EUA e México).

Contraste com a vizinhança dos EUA
A relação dos EUA com o seu espaço geográfico vizinho contrasta brutalmente com a atitude da União Europeia. Mais ou menos na mesma altura que a Europa acabou com o muro de Berlim, os EUA começaram a construir um gigantesco muro de 3000 km com o vizinho México.
As políticas dos EUA de ajuda ao desenvolvimento dos estados vizinhos da América central têm sido um fracasso absoluto. Alguns desses países vivem em sistemas democráticos há muito mais tempo do que qualquer país da Europa de leste, no entanto, a convergência do PIB per capita desses países em relação ao PIB dos EUA tem sido irrelevante ou negativa, ao contrário do que se passou entre os países do leste da Europa e a UE. A Letónia, o país mais pobre da UE, passou de um PIB per capita de 29,8% da média da UE em 1995 para 45,7% em 2003. Na América central a generalidade dos países têm um PIB per capita a menos de 10 % do valor dos EUA e apenas alguns se aproximam dos 20 % (México 17 %). A razão deste falhanço é em parte devido a factores culturais, estruturais e políticos desses países da América Central, mas também devido à ideologia que os EUA praticam nas suas relações com países mais frágeis. É a ideologia de um liberalismo praticamente selvagem, aliado a um conservadorismo de catequese e de perseguição a todas as políticas de âmbito social. Exceptuando Cuba, quantos comunistas e socialistas é que há na América Central, do México ao Panamá? E sindicatos? Certamente não são muitos. E o pior é que alguns desses países ainda estão pior que a miserável Cuba. Pois é, não há mesmo desculpa para o desastre da política americana na América Central. O melhor é mesmo aprender com a Europa.

Mais sobre o Muro entre EUA e México

terça-feira, novembro 09, 2004

Mundo de Aventuras XIV

A primeira vez que o vi foi num livro intitulado "As Maravilhas do Mundo", oferta do meu pai. E fiquei realmente maravilhado! Sonhei com o dia em que subiria lá cima e veria as ruas, os carros e as pessoas, lá em baixo pequeninas. Na altura, estava convicto que seria sempre apenas um sonho, dado o nível de vida da minha família. Afinal vinte e tal anos depois desse momento subi mesmo até lá cima para ver as ruas, as pessoas e os carros pequeninos. Foi um momento mágico, porque foi o cumprir de um sonho de infância, daqueles momentos em que nos dizemos a nós próprios "pronto, agora podemos passar a uma nova etapa do sonho".
Houve outra coisa que blindou a nossa relação. Fazemos anos no mesmo dia.


(Empire State Building, Nova Iorque, EUA, Novembro 2002)

Mundo de Aventuras XIII

segunda-feira, novembro 08, 2004

O esquecido trabalhador-estudante

Numa das minhas "fricções" sadias com o Alexandre Monteiro do Empatia, ele chamou a atenção e bem para o problema do trabalhador-estudante no ensino superior. É um problema reiteradamente esquecido pelo Ministério, pelas universidades e pelas associações de estudantes. Um dos inconvenientes da luta contra as propinas (que eu apoio) é que tem subalternizado outros problemas gravíssimos da universidade, como este do trabalhador-estudante. Hoje em dia um estudante que queira ganhar independência dos pais e trabalhar enfrenta uma missão praticamente impossível se quiser tirar um curso universitário num intervalo de tempo minimamente razoável. As nossas universidades ignoram completamente esta classe de estudantes. Basta ver os horários das aulas, dos serviços académicos e até das cantinas para perceber que está tudo formatado para o aluno que depende dos pais. Numa altura em que as propinas estão a atingir valores incomportáveis para uma boa parte dos alunos da classe média baixa (aqueles cujo o rendimento familiar os excluem da acção social, mas cujos custos de estudante deslocado estão no limite de sobrevivência familiar), as condições do aluno trabalhador-estudante deveriam ser seriamente encaradas, pois para muita gente não vai restar outra alternativa ao abandono dos estudos senão a de estudar e trabalhar simultaneamente.

O assassinato de Theo Van Gogh

O assassinato de Theo Van Gogh foi acto infame, um verdadeiro acto de terrorismo religioso. O assassino de Van Gogh é um exemplar dessa extrema direita financiada pela Arábia Saudita para converter a Europa (à força) a um Islão distorcido e doentio.

Alguns países da Europa (entre os quais Portugal) vendem material militar aos Sauditas em troca de brindes na compra de petróleo. Essa hedionda ditadura Saudita agradece, sorri-nos e dá-nos umas palmadinhas nas costas, quando olhamos para o lado dá-nos uma facada! A última facada nas costas foi a de Van Gogh...

domingo, novembro 07, 2004

Boa análise das eleições americanas

Escreveu-se muito sobre os resultados das eleições americanas, mas muito pouco do que se escreveu passou do simples ajuste de contas, do alimentar de rancores e de alguma chacota palermita (falam, falam, falam, falam...e não dizem nada). Mas vale a pena ler a análise do resultado das eleições americanas do Nuno Guerreiro na Rua da Judiaria. Ele está lá no meio da "confusão", em Los Angeles, e sabe bem do que fala. Parece-me que o Nuno é capaz de ter toda a razão.

sábado, novembro 06, 2004

Sábado em Coimbra XIX: O Choupal vestido de Outono

Olho pela janela e vejo o Choupal já todo vestidinho de Outono.
Uns amarelos claros, outros torrados e ainda muito verde...
Recordo os Outonos de outras paragens,
onde a natureza no Outono se veste de cores mais vivaces.
Recordo as cores garridas das florestas da Virginia
e as ribeiras enfeitadas de mil cores entre Belfort e Limoges.
O Choupal não. É discreto, e faz da discrição a sua beleza.

Sábado em Coimbra XVIII

quinta-feira, novembro 04, 2004

Para que fique ainda mais claro II: o mito apocalíptico

Os últimos textos de Pacheco Pereira que justificam a ofensiva contra o terrorismo islâmico, e por tabela contra o Iraque, apoiam-se em parte no carácter apocalíptico do terrorismo (ler no Abrupto: "para que fique claro").

1- Em relação ao Iraque, depois dos resultados anunciados há um mês pela Comissão Americana de Inspecções de Armamento no Iraque, se alguém ainda tinha dúvidas sobre a falsidade das alegações de posse de armamento de carácter apocalíptico, elas ficaram desfeitas. Nada que já não tivesse sido concluído pelos maiores especialistas mundiais deste tipo de assuntos, como Hans Blix.

2- Se o objectivo é eliminar as fontes mais prováveis de fornecimento de material que possa ser usado num terrorismo apocalíptico, então há que intervir no Paquistão e na Arábia Saudita e não no Iraque. No caso do Paquistão deveria haver um esforço para conduzir o país a iniciar um processo de desarmamento do seu arsenal nuclear em conjunto com a Índia. Este tipo de processos não é novidade nenhuma, recentemente a Ucrânia e a África do Sul desmantelaram o seu programa de armas nucleares. Seria muito mais eficaz e simples desarmar o Paquistão que ir excitar a população muçulmana com a intervenção no Iraque. Quanto à Arábia Saudita, as cidades de Medina e Meca, onde não podem entrar infiéis (não-muçulmanos), são um paraíso que permite a um grupo de cientistas montar em toda a tranquilidade uma bomba atómica que facilmente poderá ser lançada para o quintal do lado (Israel). Mas, em relação à Arábia Saudita vergonha na cara é o que falta aos responsáveis políticos americanos e a alguns europeus, como é o caso de Portugal, que não se privam de manter relações promíscuas com a pior ditadura do mundo.

3- Se queremos falar em problemas realmente apocalípticos, temos é que discutir o efeito de estufa e a falta de água potável no planeta. É que por muitos atentados que façam os terroristas nunca conseguirão chegar aos calcanhares dos efeitos, estes sim apocalípticos, que cada um destes problemas ambientais poderão causar ao planeta e à vida humana. Sobre estes assuntos, até hoje, não vi nem uma linha escrita no Abrupto.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Para que fique ainda mais claro: o mito do Baas

Já não é a primeira vez que lemos no Abrupto que os ataques no Iraque são da responsabilidade de ex-elementos do Baas (ler:"para que fique claro"). Este argumento de culpabilizar os ataques iniciais às forças americanas como sendo da exclusiva responsabilidade de meia dúzia de ex-quadros do partido, foi um argumento puramente propagandístico de vida curta lançado pela administração norte americana. Pelos vistos continua a circular por cá, mas há muito que foi desmontado de uma forma clara nos EUA como nos explica Richard Clarke:

"In Saddam Hussein's Iraq, one had to join the Baath Party to gain promotion to managerial positions throughout the economy. [The US authority] By dismissing them all (and canceling their retirement), there were suddenly no experience managers. Russians and others who suffered under the Communist Party would be familiar with the party membership requirement."

Estranho que uma pessoa como Pacheco Pereira, um excelente estudioso do fenómeno comunista, passe ao lado desta conhecida obrigatoriedade de pertença ao "partido" que retira qualquer significado à argumentação dos "assassinos do Baas". Todos eram do Baas, os que eram contra e a favor de Saddam.
Como descreve Clarke, esta argumentação puramente propagandística - pois a administração não queria admitir que a maior parte dos ataques eram da responsabilidade de Iraquianos que nunca apoiaram o regime - só teve como efeito o piorar ainda mais a situação no Iraque:

"After protests, riots, and attacks, the US occupation authority sait it would pay Iraqi army officers' retirement (...) by then, no doubt, some Iraqi army officers were plotting attacks on US forces."

"Against All Enemies", Richard Clarke, Free Press, 2004, pag. 272.

É a América que temos


(Manhattan desfocada, vista de Ellis Island, EUA, Novembro, 2002)

terça-feira, novembro 02, 2004

Aborto: será que a juíza foi "polticamente correcta"?

Será que a nossa legião de talibãs vai já começar a gritar que a decisão de hoje da juíza de absolver a jovem julgada por aborto clandestino se trata de uma decisão do "politicamente correcto"?

A campanha americana é um circo!

Se fosse americano só poderia ser dos Verdes, em nome da minha sanidade mental. Mas nestas eleições não teria qualquer dúvida em votar útil e votaria em Kerry, numa tentativa desesperada de prolongar a esperança de vida do planeta Terra.

No início desta campanha eleitoral confesso que ainda segui os primeiros momentos da Convenção Democrática, mas este vosso amigo ia tendo uma crise de paralisia cerebral a assistir a tão hediondo espectáculo. De política ouvi muito pouco, ouvi a mulher de Kerry, ouvi o filho da mulher de Kerry, ouvi as filhas de Kerry, ouvi um primo de Kerry, só me faltou ouvir o periquito e o cão de Kerry. Todos falaram de Kerry como quem fala de um deus. Mas o momento mais marcante foi quando uma das filhas de Kerry descreveu um momento demonstrativo da magnificência de Kerry. Tratava-se de um episódio em que o seu hamster (que por acaso não falou na convenção) tinha caído ao rio e foi salvo miraculosamente pelo corajoso Kerry que não hesitou em saltar de cabeça para a água. Confesso que não me lembro se Kerry o salvou por respiração boca-a-boca ou por massagem cardíaca, o que é certo é que o roedor se safou. Eram umas três da manhã e por momentos tive a sensação que estava na Coreia do Norte a ouvir as heróicas histórias de almanaques do partido dos grandes líderes Kim Il-Sung ou Kim Jong-Il. Obviamente que depois disto nem sequer me passou pela cabeça assistir à Convenção Republicana, não sou assim tão masoquista!

Salvaram-se apenas alguns momentos dos debates. Mas para quem está a falar da maior potência mundial o nível geral dos debates foi mau. Não ouvi nenhuma ideia nova. Era tudo velho e repetido. E repetir foi o verbo dos debates. Repetir as mesmas frases e as mesmas ideias 5, 10 vezes. Nisso eles eram realmente bons. Tal como eram bons em não falar de coisas minimamente complexas. Só política para estúpidos. Quanto ao Bush dos debates realmente nota-se que tinha uns pais capazes de lhe pagar as propinas de Yale. Se tivesse nascido noutro berço não estaria ali certamente.

O sistema político americano é um sistema sem plasticidade nenhuma, completamente blindado por dois partidos que se alternam no poder, onde não há espaço para vozes alternativas, estamos quase no grau zero da democracia. A palhaçada da campanha americana é apenas um sintoma evidente da doença que graça no sistema político americano. Realmente estamos bastante longe do cenário europeu, onde nas últimas eleições concorreram várias centenas de partidos que preencheram lugares no Parlamento Europeu que cobrem um espectro que vai desde o maoismo até aos extremistas do partido da independência britânica. E o mais engraçado é que ambas as eleições têm mesmo nível de abstenção apesar das americanas serem muito disputadas no terreno e as europeias serem bastante discretas.

É talvez também por isto que não reconhecemos hoje a américa, aquela américa da liberdade e da esperança.