quarta-feira, outubro 03, 2007

A condescendência da direita com o tele-lixo

Exceptuando os canais estatais, a televisão portuguesa é de direita, reflecte um modelo e uma filosofia de direita que mesmo os próprios canais estatais têm uma forte tendência a copiar (sublinho a palavra copiar). Esse modelo de televisão segue a lógica do mercado, tudo é uma mercadoria e as regras aplicam-se por igual a toda a mercadoria, quer a mercadoria seja a Maria João Pires quer seja a Ronalda ou o Zé Cabra. Está ausente qualquer noção de serviço público, a noção é mais de servicinho, de servicinho aos patrocinadores claro! Já todos ouvimos a máxima da boca de Rangel, de Balsemão & companhia de que a televisão serve para "dar às pessoas o que elas querem ver". O problema é que na prática não é bem isso que se passa, na prática a televisão "dá às pessoas o que os patrocinadores querem que elas vejam".

O resultado desta filosofia é uma degradação completa do panorama televisivo dos canais que transmitem em sinal aberto. A SIC e a TVI já não estão com meias medidas, a dose servida é telenovela e futebol em contínuo em horário nobre. Os telejornais duram mais de uma hora para oferecer um pobre conteúdo informativo e um excesso de sensacionalismo. Treinos de futebol, histórias de faca e alguidar, todo o tipo de dramas que envolve criancinhas, jantaradas de clubes, de partidos e inúmeros directos inúteis onde entram reformados meio mirones meio testemunhas de não-sei-o-quê, que viram, viram não, ouviram ou disseram-lhes não-sei-o-quê, são o grosso do conteúdo informativo. Os telejornais sérios dos nossos parceiros europeus duram meia hora onde a informação do país e do mundo é mais desenvolvida, os directos são raríssmos, e os fait-divers e o desporto resumem-se aos 5 minutos finais. A excepção ao futebol e às telenovelas são os programas de variedades da vida real, em que jovens mais ou menos famosos coçam as virilhas durante horas a fio enquanto ganham rios de massa. São sem dúvida programas exemplares para os jovens do país com o pior nível educacional da Europa. Em horário nobre não há mais nada para oferecer para além disto...

Este é um modelo de televisão sem diversidade, de uma aridez cultural absoluta. Em todos os países da Europa há tele-lixo, mas em nenhum país os canais a emitir em sinal aberto oferecem tele-lixo na proporção em que nos é servida em Portugal. Na França, no Reino Unido, na Alemanha, os canais estatais e privados gratuitos transmitem reportagens, documentários, debates e divulgação científica em horário nobre, os cidadãos desses países estão minimamente informados sobre a política, a economia, a justiça, a ciência, o país e o mundo. No nosso país, os tele-dependentes sem hábitos de leitura e com um nível educacional sofrível já perderam o fio à meada nestas matérias, só com futebol e telenovelas não se vai lá, têm muita dificuldade em perceber os novos tempos.

Sendo Portugal um dos países onde mais se vê televisão considero lamentável a calma com que a direita deixou as coisas chegarem a este ponto. No entanto, a passada semana, todos concordaram com a atitude de Santana Lopes na SIC Notícias, mas quem é que tem compactuado com o problema por ele apontado? E não vale a pena dizer que o problema é das televisões e não da direita, porque Balsemão e ex-directores da TVI estiveram ou continuam muito ligados às altas esferas do PSD e do PP. Para cúmulo a grande cruzada televisiva da direita dos últimos tempos foi a censura do programa "Acontece" do canal 2. Conseguidos os objectivos, o tele-lixo foi ganhando espaço sem que a reacção da direita fosse proporcional à cruzada contra o "Acontece". Leiam o que os principais cronistas de direita escreveram contra o "Acontece" e comparem com o que se tem escrito sobre o tele-lixo, muitos deles chegam ao ponto de desculpabilizar e justificar esse tipo de programação. Um exemplo deste tipo de discurso é este texto de Pacheco Pereira que critica países onde a difusão cultural funciona muito bem e onde a cultura e o nível educacional dos cidadãos é elevadíssimo. No texto, o autor defende uma filmografia de entretenimento contra a filmografia de matriz mais cultural a que é dada prioridade na Europa. Dá o exemplo da Guerra das Estrelas, mas poderia ser o Harry Poter, ou um Walt Disney, que são no fundo os filmes que fazem parte do universo das escolhas dos consumidores de tele-lixo.

Sem comentários: