O que é que acontece quando se juntam no mesmo filme um dos vossos realizadores preferidos (Alejandro Amenábar) com um dos vossos actores preferidos (Javier Bardem)? No meu caso é apreensão. As expectativas são demasiado altas e a probabilidade de desilusão é alta. Não foi o caso de "Mar Adentro". Sobre Amenábar tinha escrito aqui na Klepsýdra em Maio do ano passado "Alejandro Amenábar para já está ali no fundo da minha lista, mas considero-o como uma jovem esperança, bastante promissora. Fez poucos filmes, mas de grande profundidade (...) Espero que continue na senda da qualidade". Corresponde. Sobre Bardem tinha escrito em Abril que "é um especialista em personagens de carácter bem vincado". É o caso de Rámon Sanpedro de Mar Adentro. Considero o filme muito bom, muito mais do que um filme sobre a eutanásia, é um filme também sobre as encruzilhadas da vida, as oportunidades que agarramos e as que deixamos partir.
Apesar de tudo, entre todos os filmes de Amenábar continuo a preferir "Abre los ojos", gosto daquela capacidade de fazer um filme excelente com meios da loja dos 300. Além do mais não perdoo duas coisas a "Mar Adentro". Em primeiro lugar, achei escusado a activista do direito à eutanásia ter um filho no momento em que Rámon morre. Parece-me uma resposta directa aos argumentos pró-vida de que quem defende a eutanásia é pela morte. É escusado descer tão baixo. A segunda cena que não apreciei foi a cena final, em que me pareceu haver ali um moralismo activista velado. Talvez me engane, mas o facto de Julia estar a caminhar para a morte sem a memória da existência de Rámon pareceu-me fazer apelo à justeza da decisão que Julia tinha entretanto abandonado de também cometer eutanásia. Cheirou-me a moralismo activista, mas não tenho a certeza.
Quanto à história de Rámon Sanpedro tal como é descrita no filme, apresenta-nos um homem cuja dor não é física. Rámon construiu uma imagem dele próprio que está muito perto da fronteira entre o que ele era e o que desejava ser. Rámon estava lá em cima, na torre de um palácio muito alto. O acidente destruiu quase tudo, destruiu até a modesta máxima: "si quieres viajar sin diñero: marinero"! Talvez seja injusto, mas parece-me que depois do acidente Rámon manteve a mesma relação com a sociedade, manteve as mesmas referências formatavam a sua vida antes do acidente. Rámon não tentou criar uma nova ordem na sua vida desde que ficou tetraplégico. Em certo sentido Rámon parece conformista com a forma como a sociedade interage com os deficientes físicos. Um psicólogo poderia dizer melhor do que eu se o caso de Rámon teria solução, a mim parece-me que sim, mas não tenho a certeza.
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