No próximo dia 31 de Março, Portugal vai voltar a aparecer na Euronews, BBC, TF1, RAI 1, etc., como aquele país atrasado, terceiro mundista e bárbaro que julga as mulheres que cometem abortos. Mas a grande novidade é que quem vai pagar esse julgamento que ocorrerá em Setúbal será, presumo eu, João Miranda do Blasfémias. Estupefactos? Basta ir ao Blasfémias e ler as três postas de João Miranda intituladas "Propostas de pergunta para o referendo ao aborto". Antes de lerem, aconselho um saquinho de vómito daqueles dos aviões aos que se enervam muito com estas questões. A pergunta mais interessante proposta pelo João é a terceira, que curiosamente engloba a segunda:
"Na sua opinião as pessoas que consideram que o aborto causa a morte de um ser humano devem ser forçadas a pagar, via impostos, os abortos daqueles que o fazem nos hospitais públicos por motivos "psicológicos" ou socio-económicos?"
Para os que não vomitaram depois de ler esta questão, julgo que já devem ter tirado a mesma conclusão que eu: 1) ou os julgamentos às mulheres que abortam são de borla 2) ou o João Miranda, pondo em prática todo o seu espírito liberal, num acto louvável e raro de mecenato em Portugal, vai pagar todos os julgamentos de mulheres que praticarem o aborto no nosso país. Como a justiça não é de borla em Portugal e quem paga estes julgamentos são todos os contribuintes, os que votaram Não e Sim no anterior referendo (é assim em democracia somos beneficiados ou prejudicados independentemente do que individualmente colocámos na urna) a hipótese 1) está fora de questão. Resta a hipótese 2), João Miranda vai pagar os julgamentos das mais de 10 mil mulheres que abortam por ano. João Miranda vai pagar os bufos que as denunciam (aconselho a actualização da última tabela da PIDE de 1974), vai pagar os inquéritos judiciários, vai pagar os advogados, vai pagar os juízes, os funcionários das audiências e todos os dias de prisão a cumprir pelas mulheres que forem condenadas. Ah leão!
Este neo-conservadorismo tem escola, não cai do céu. Os EUA são um exemplo deste tipo de cocktail exótico que mistura o liberalismo económico selvagem com um moralismo católico-protestante fanático. Por questões ideológicas, há uns anos os EUA cortaram a eito em despesas sociais. Hoje cerca de 1% dos americanos estão atrás das grades. É isso mesmo que estão a pensar, os mais de 2 milhões de detidos americanos produzem uma despesa incomensuravelmente maior do que as ajudas sociais que eram prestadas anteriormente. Mas o meu exemplo preferido é o do estado da Califórnia. Um dos dogmas da catequese liberal dos neo-conservadores advoga que o ensino deve ser privado. A Califórnia seguiu esse dogma, o investimento público no ensino é minimalista. As prisões da Califórnia estão a abarrotar. Ironia das ironias, hoje o estado da Califórnia gasta nas prisões quase o dobro do dinheiro que é gasto no ensino! Deveria ser ao contrário, não era? Tentem lá explicar isso ao João Miranda...
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