"La subjectivité à venir" de Slavoj Žižek (Flammarion, 2006) é uma interessantíssima recolha de reflexões sobre a cultura popular e o seu impacto social, sob o prisma da psicanálise. Dada a raridade de análises sociais com este cariz e dada a grande importância da psicanálise para compreensão das sociedades em que vivemos, esta obra de Žižek constitui uma riquíssima fonte de descoberta sobre o que se esconde atrás do papel de parede que reveste o nosso quotidiano. Filmes populares como Matrix ou Fight Club, filmes e séries de culto como a Pianista ou Colombo, algumas óperas de Wagner e Rossini e a obra fotográfica de Leni Riefenstahl são alguns dos interessantes objectos de análise de Žižek. Žižek dedica também uma excelente reflexão da sua obra à dificuldade de popularização da ciência dada a complexidade do seu conteúdo e ao fantasma fascista sempre presente que visa limitar o alcance dessa mesma ciência.
No melhor pano cai a nódoa marxista
Apesar de todo o brilhantismo da obra e do seu indubitável interesse, Žižek intercala a leitura deliciosa das suas análises com marteladas marxistas por vezes completamente a despropósito. O leitor é confrontado com tentativas de atribuir a máximas marxistas bastante simples (para não dizer primárias) o mesmo nível de sofisticação das reflexões de Žižek baseadas na psicanálise. Curiosamente, a análise de Žižek sobre os maus da fita do popularucho filme Matrix encaixa muito mais facilmente no esquema sombrio da ex-URSS do que propriamente na teia do Grande Capital, como Žižek se esforça em demonstrar. Depois, o livro contém partes realmente fracas, como o ataque ao físico de Joschka Fisher. Encontramos também algumas contradições, como um certo radicalismo a condenar a religião seguida de alguma complacência acompanhada de uma errada análise à religião muçulmana. E digo errada, pois Žižek refere que a violência e a intolerância são traços sempre presentes na religião muçulmana (pag. 160). Ora, há 30 ou há 40 anos por exemplo, as mulheres muçulmanas das grandes cidades do Magrebe ou das comunidades emigrantes europeias praticamente não usavam véu ou lenço, o fundamentalismo como o conhecemos hoje é um fenómeno novo e excepcional. Žižek não se poupa em atacar a esquerda multicultural e de criticar uma época em que tudo é permitido. Embora o tom irónico da época em que tudo é permitido comporte uma crítica acertada, visto que muitas vezes essa permissividade é apenas ilusória (como já sabíamos), a verdade é que também transmite um certo conservadorismo. Leio-lhe um marxismo próprio de quem não está para grandes brincadeiras. Se ele tivesse votado em Janeiro passado aposto que tinha votado Jerónimo.
Se Žižek não fosse marxista seria muito mais interessante, mas nestas idades mais de 90% das pessoas não mudam, só pioram. No entanto, tirando as passagens marxistas, o resto do livro é muito estimulante e recomendo-o vivamente. Encarem as passagens marxistas como uns copos de vinho a martelo que intercalam com um grande champanhe ou um vindimas tardias.
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