O artigo de Fátima Bonifácio publicado no passado domingo no Publico é mais um daqueles artigos de opinião sobre a Universidade Portuguesa sem consistência estatística e baseada numa experiência pessoal de 25 anos de docência em que a autora invoca o mito de um passado glorioso do ensino em Portugal (do qual não consegue dar nenhum exemplo palpável) e inevitavelmente descreve um ensino actual em que "quase todos os que chegam ao fim saem da Universidade tão ignorantes como lá entraram" (pois claro!).
O primeiro problema do artigo de Fátima Bonifácio é que reduz a Universidade à docência. A Universidade é uma instituição de troca de conhecimento, não é uma simples escola. A Universidade deve formar alunos, mas para além dessa função deve investigar, deve interagir com a sociedade (empresas, autarquias, ministérios, etc.) e deve divulgar o que faz ao grande público numa linguagem que ele entenda. Entre todas estas obrigações da Universidade a que mais falha em Portugal é a interacção com a sociedade. O fraco número de patentes nacionais e o baixo investimento na investigação financiada por empresas privadas são dois indicadores bastante significativos dessa falha.
O segundo problema deste artigo resulta de Fátima Bonifácio - tanto quanto pude investigar na base de dados do ISI (é falível) - não ter nenhum artigo publicado numa revista científica internacional com arbitragem, outra das obrigações da Universidade. Curiosamente a publicação de artigos em revistas internacionais de referência com arbitragem é um indicador que desmonta completamente a teoria de Fátima Bonifácio através de números demolidores. Em Portugal é rara a área de investigação em que o número de publicações científicas não tenha crescido exponencialmente nos últimos 25 anos, mesmo quando olhamos para o número de artigos por investigador. Ora nos últimos 25 anos os que saíram "da Universidade tão ignorantes como lá entraram" (entre os quais se inclui este vosso ignorante) publicaram muito mais artigos científicos em revistas internacionais com arbitragem do que todos os que foram publicados até há 25 anos atrás. Aliás, há 25 anos havia departamentos inteiros das nossas universidades que não tinha um único artigo publicado. Imaginem só que muitos desses "ignorantes" são hoje convidados para apresentar palestras nas mais conceituadas universidades do mundo, outros foram mesmo convidados ou seleccionados para trabalhar em grandes instituições internacionais como o CERN, a ESA, o ESO, etc. E mesmo naquele que é o calcanhar de Aquiles da Universidade, a relação com a sociedade, existem muitos desses "ignorantes" que criaram empresas de tecnologia de ponta de impacto mundial (a Critical Software é uma das mais recentes, portanto com mais "ignorantes") e "ignorantes" numa proporção bastante superior à da época de ouro de Fátima Bonifácio estão hoje a trabalhar em grandes multinacionais.
Substituindo neste texto "ignorantes" por "geração rasca" quase todas as comparações que faço entre o passado e o presente ganhariam ainda mais validade. Hoje, 11 anos depois, à luz das declarações de Vicente Jorge Silva plenas de irreflexão e de arrogância que colavam o rótulo de "rascas" a todos nós alunos universitários em 1993, não deixa de ser irónica a análise entre o passado e o presente da Universidade Portuguesa...
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