terça-feira, setembro 02, 2003

Caminhos da diáspora: Estrasburgo -> Figueira da Foz

Os Portugueses são 15 milhões. Desses, apenas 10 milhões vivem em Portugal. Uma terça parte de todos nós está no estrangeiro. A esmagadora maioria desses 5 milhões que vivem fora do país emigraram um dia porque não tinham grandes alternativas para viver com dignidade. Esta é uma ferida que herdámos em grande parte do regime salazarista e uma das consequências mais miseráveis do fascismo português que não deveríamos esquecer nunca.
Eu fiz parte daqueles que nos últimos anos tiveram já o privilégio de ir para o estrangeiro por opção. Passei quatro anos em Estrasburgo. Passado este tempo e novamente por opção decidi voltar. Gostei muito da experiência mas não voltaria a viver em Estrasburgo e foi por isso que parti sem saudades.
Como estamos em época de partidas e de regressos, tal como fez o Zé Mário nas suas belas "Notas de Viagem", decidi partilhar convosco alguns dos fragmentos da minha viagem de regresso. No entanto gostaria que ficasse presente que esta viagem que eu fiz confortavelmente sentado no banco do meu carro, nos anos 60 e 70, era feita por muitos portugueses no sentido inverso às vezes a pé, outras vezes dentro da mala de um automóvel ou debaixo de um oleado na caixa aberta de uma camioneta e os mais sortudos lá conseguiam fazer partes da viagem de comboio ou de autocarro.



A parte mais chata da viagem foi carregar toda a “tralha” às “costas” do meu Rocinante. Só havia espaço para o condutor, parecia um feirante!



Quando finalmente o meu Rocinante começou a trotar pela estrada fora foi um alívio!
Chega o cruzamento do adeus a Estrasburgo. Para Portugal a direcção é: Mulhouse. Apesar do meu itinerário Michelin me aconselhar a ida por Paris eu escolhi o itinerário económico, sem portagens. As portagens são, talvez, uma das coisas mais estúpidas que existem e é revelador que só os países do sul da Europa adoptem este tipo de sistema (Portugal, Espanha, França e Itália). É um sistema que só serve para perder tempo em estradas cujo objectivo é o de ganhar tempo. Por exemplo na Suiça, Áustria e Rep. Checa compra-se uma vez uma vinheta válida para um determinado período de tempo e não são ao preço da chulice que se pratica em Portugal ou em França. Nos EUA, na Holanda e na Alemanha as auto-estradas são pagas pelos impostos. No sector dos transportes deveríamos penalizar pelos impostos os combustíveis fósseis e não as estradas de qualidade. Enfim, é tudo feito ao contrário!



A Europa Central no Outono é muito diferente do Outono em Portugal. Existe um colorido muito variado da folhagem das árvores. Há vermelhos, amarelos e laranjas muito vivos que se misturam com o verde. Parecia que ia a viajar através de uma tela pincelada de mil cores!



À noite paragem num motel nos arredores de Limoges. Acendo a televisão, transmitem uma reportagem sobre a eleição de George W. Bush. O marketing é altamente profissional. Bush em público tem todos os movimentos corporais e faciais controlados por um batalhão de peritos. Dentro do seu jacto privado longe dos olhares do público, a descontracção é total: piropos às jornalistas, uma cervejola para descontrair e comentários rascas sobre o adversário. A foto mostra o momento em que Bush é informado que venceu as eleições. “Félicitations”, diz um dos conselheiros. “On verra”, responde Bush...



Paragem em Rochefoucauld. Um belo castelo renascentista como que a querer lembrar-me, antes de sair do territótio Francês, o quão belo é este país.



Chego à fronteira espanhola. A placa tinha o nome de Espanha riscado. É uma atitude estúpida, mas também não custava nada escrever País Basco na mesma placa. Não custava nada e toda a gente ficaria satisfeita. Assim a prepotência subtil dá lugar a um nacionalismo sanguinário e intolerante.

Finalmente, entro em Espanha. Quanto mais conheço o mundo mais gosto deste país. A costa Basca é como uma exposição dos rochedos mais belos da Península. Parei em Gasteiz (Victória) e fui logo a um bar de tapas daqueles onde toda a gente come de pé e as pessoas se vão servindo ao balcão sem ter de pedir ao empregado. No fim é só dizer ao empregado o que comemos, ele confia e paga-se tudo. Lindo! Sentimos que já saímos definitivamente da Europa Central onde não há margem de manobra para confianças.

A viagem foi feita nas calmas. Mais uma noite, agora em Salamanca, a Ciudad Dorada. A cidade está muito diferente e diferente para melhor. De manhã a reentrada em Portugal é feita com um pequeno desvio pelas propriedades castelhanas de patas negras, de touros e de cavalos. Um regalo!



A 30, 40 km da fronteira começo a captar a TSF, essa velha companheira. Temos Fórum! O tema é a pedofilia. A caixa de Pandora está a começar a ser aberta. Um senhor diz que resolveu um caso de pedofilia na freguesia dele com um barrote cheio de pregos...Eu pensei no esforço que o Manuel Acácio deve fazer para não se escangalhar a rir (ou a chorar) em directo!

Finalmente a fronteira portuguesa. As regras da IP5 relembram que entrámos numa estrada que não é para brincadeiras: médios acesos e 90 km/h de velocidade máxima. De 15 em 15 minutos lá passava um esperto por mim largamente acima dos 90 km/h...
Uma paragem para reabastecer e uma olhada pelos títulos dos jornais. Pedofilia e futebol a rodos! Não há dúvida, estamos em Portugal!

A chegada à Figueira da Foz é relaxante. Não só porque a viagem chegou ao fim, mas porque ao fazer-se a última curva antes de entrar na cidade avista-se logo a ponte e o Mondego a mergulhar no oceano. A vista do oceano para mim é sempre uma terapia fantástica para a paz de espírito.

Koniec...o fim da viagem. Vou dar “palha” ao Rocinante. O meu cão é o primeiro a dar-me as boas-vindas completamente eufórico, depois a família, os abraços...

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