quinta-feira, setembro 11, 2003

11 de Setembro: mais uma factura da Guerra Fria

Alguns dias depois do 11 de Setembro a maior parte das interpretações que vieram a público sobre o significado do atentado às Torres Gémeas eram de parca lucidez. Dividiam-se entre o alarmismo paranóico e o brutal ajuste de contas. Na altura apreciei especialmente a demarcação desta onda de Bernard Henry Levy (BHL) e de Daniel Cohen Bendit. Em Portugal, embora não concordando com Miguel Portas a sua análise dos acontecimentos foi coerente com o que de melhor pode oferecer a esquerda.

Dois anos depois, penso que foi BHL quem mais se aproximou dos factos e foi dos poucos que conseguiu manter um discurso simultaneamente lúcido e muito bem fundamentado. A sua obra « Réflexions sur la guerre, le mal et la fin de l’histoire » editada pouco depois dos acontecimentos do 11 de Setembro continha um prefácio com uma excelente reflexão em parte feita no próprio dia do atentado. Mas o mais interessante desta obra é que o capítulo intitulado «Les damnés de la guerre», escrito antes do 11 de Setembro, é quase premonitório. BHL faz um estudo no terreno daquilo que ele descreve como sendo as guerras esquecidas : Angola, Ceilão e Colômbia. Estas guerras são o exemplo das pesadas facturas herdadas do tempo da Guerra Fria.

Durante a Guerra Fria a União Soviética e os EUA disputaram palmo a palmo o globo terrestre. Apesar da grande diferença entre os respectivos regimes, fora das suas fronteira os métodos utilizados eram frequentemente semelhantes. Os Soviéticos apoiavam organizações comunistas sem olhar à natureza desses grupos, daí que indivíduos inqualificáveis como Pol-Pot, Kim-Il-Sing ou Enver Hoxa tenham deixado um enorme rasto de sangue atrás de si. Os Americanos em nome da luta anti-comunista apoiaram indiscriminadamente organizações que nada ficavam a dever às que eram apoiadas pelos Soviéticos. Augusto Pinochet, Ben Laden, Saddam Hussein e Ferdinand Marcos são apenas alguns nomes que mancharam o planeta de sangue com a cumplicidade dos EUA. Estas práticas foram amplamente denunciadas no ocidente, mas infelizmente perderam-se no meio do «ruído» da Guerra Fria.

Quando a Guerra Fria chegou ao fim, Soviéticos e Americanos retiraram a sua presença e o seu apoio a diferentes organizações intervenientes em conflitos que perduravam pelo mundo. Mesmo assim, muitos desses conflitos continuaram e prolongaram-se após o fim do apoio Americano e Soviético, como aconteceu em Angola. Para além disso, muitas dessas organizações prosperaram e impuseram-se, como é o caso da Al-Qaeda de Ben Laden. É este desenvolvimento que BHL tão bem descreve na sua obra, é «como uma praia onde chegámos durante a maré cheia, mas na maré vazia descobrimos que afinal, ali à beira mar, onde não víamos nada horas antes, existe uma fauna variada de caranguejos, lagostins, ouriços do mar, etc.». E da «maré vazia» surgiu Ben Laden e a Al-Qaeda que conjuntamente com outras organizações criaram um inferno no Afeganistão. Mais tarde, após várias tentativas mais ou menos falhadas a Al-Qaeda conseguiu atingir brutalmente o seu antigo patrocinador a 11 de Setembro de 2001…

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