A resposta mais simples a esta pergunta é dada no Abrupto, ler "Público em linha pago":
"o Público custa dinheiro a fazer, devo pagar por ele. No entanto, o jornal deve pensar noutro valor, valor económico ponderável e real, que é o da sua autoridade pela influência (não coincidem necessariamente, mas relacionam-se)"
A pergunta que serve de título ao livro Raymond Boudon é manhosa, porque o autor exclui a sua corrente política da área da intelectualidade, o que pode ser intelectualmente desonesto. Mas a resposta a esta pergunta é tão simples que se pode escrever entre parêntesis numa frase, como o fez Pacheco Pereira, se calhar involuntariamente: "[os valores] não coincidem necessariamente, mas relacionam-se". Quem já reflectiu a sério sobre as razões pelas quais muitas utopias falharam (refiro-me àquelas receitas políticas que servem para tudo), chega rapidamente à conclusão que a sua decadência ocorre quando os valores inerentes à receita não coincidem com os valores que determinam o percurso de uma sociedade, essencialmente aqueles valores que determinam a qualidade de vida. Com o liberalismo passa-se exactamente o mesmo. Pelo menos com o liberalismo defendido por Raymond Boudon. A dura realidade é que os valores que regem os mercados nem sempre coincidem com aquilo que definimos como sendo a nossa qualidade de vida. É uma discrepância simples, mas que pode ter consequências irrelevantes, como pode ter consequências desastrosas mesmo quando esses valores estão relacionados. As consequências podem ser tão graves como as que aconteceram nos regimes comunistas. A América Latina e a Ásia fornecem-nos alguns dos exemplos mais catastróficos (ex: Argentina e Tailândia), quando o liberalismo é implementado na base do dogmatismo cego.
É por causa da referida "não coincidência de valores" que uma parte dos intelectuais não gostam do liberalismo (o de Raimond). E eu desconfio que têm razão. Para quem trabalha em física, descobrir buracos nas ideologias pode ser um passatempo divertido, trabalhamos com coisas bem mais concretas que de vez em quando são assoladas por descobertas que obrigam a reformular, a alterar ou a destruir teorias inteiras escritas por muitas mentes brilhantes. Por isso, é que desconfio de receitas ideológicas puristas, prefiro a minha dieta pós-moderna à base de muito cepticismo.
Há uma grande confusão sobre a ideologia liberal, em Portugal e não só. É por isso que o autor se lança num esforço sofrível para desculpar algumas "falhas" (onde é que eu já ouvi isto?) do liberalismo, na linha da teoria "o mau liberalismo expulsa o bom liberalismo". Neste mundo temos liberais de esquerda (Michael Moore, uma boa parte do partido Democrata, inúmeros partidos europeus) e de direita. Em Portugal estamos habituados a ouvir falar de liberalismo dentro de uma linha política que nos EUA se chama neo-conservadora. Aqueles que defendem um liberalismo apenas económico (em geral radical) e no restante defendem um moralismo de base católica. É destes intelectuais que Raimond não fala. Se calhar são estes os que estão a expulsar os outros liberais...
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