No primeiro referendo à Despenalização do Aborto votei SIM por razões científicas e por achar que o Estado deve respeitar as convicções espirituais e éticas de cada um. Mas desta vez, voto SIM por vergonha.
Estava fora do país quando ocorreu o primeiro julgamento de mulheres em Portugal. Lembro-me como se fosse hoje das imagens divulgadas pela Euronews, os rostos dos meus colegas estrangeiros reflectiam uma estupefacção silenciosa. Vivi aquele momento como se tivesse vários autocolantes colados na testa: selvagem, troglodita, macho de pacotilha, etc. Alguns colegas tentaram reconfortar-me dizendo que cada país tem os seus podres e que as coisas iriam mudar, mas um colega escocês, muito franco, disse-me: "é a vossa vertente terceiro-mundista...".
Em conversas que tive sobretudo com mulheres de outros países, sempre que referia que em Portugal o aborto era crime até às 10 primeiras semanas, gerava-se um silêncio glacial, a simpatia que o nosso país desperta ao estrangeiro que não nos conhece bem desvanecia-se naquele momento. Portugal já um país que tem fama de ser desorganizado, raramente pontual e pouco credível, o circo da condenação das mulheres que abortam é mais uma camada de terceiro-mundismo que se junta às outras. Os engraçadinhos que andaram a invocar razões económicas para votar NÃO deveriam equacionar nas suas contas não só os custos dos tribunais que julgam mulheres mas também todos os empresários que não escolhem Portugal para investir pela nossa imagem retrógada (não são poucos), em que a condenação de mulheres que abortam só funciona para nos enterrar ainda mais.
Por estas razões tenho tido muito pouca paciência discutir o aborto com o lado do NÃO, desta vez defendido por alguns dos sectores mais fanáticos da sociedade portuguesa. Quando nos apercebemos que um dos grandes arautos do NÃO é João César das Neves, um cristão que tem uma tribuna num jornal intitulada "não há almoços grátis", percebe-se que estamos a discutir ao nível da anedota.
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