Caro Miguel Madeira,
A minha crítica à Ruptura pouco tem a ver com radicalismo. O radicalismo não tem cor política. Radical pode ser a extrema-direita, os No Name Boys ou os Super-Dragões, uma associação pró-vida, uma mensagem papal contra o preservativo ou os artigos do João César das Neves e do José Manuel Fernandes.
O que critico na Ruptura é sobretudo seu conservadorismo e, em parte, a pobreza e a simplicidade dos seus textos e das suas reflexões políticas. Este segundo ponto pode ser verificado através de uma rápida visita ao sítio internet da Ruptura.
O conservadorismo da Ruptura baseia-se numa visão hermética da esquerda e numa leitura dogmática do marxismo que culmina na cristalização ideológica do movimento. É um conservadorismo que recupera muito do imaginário e dos tiques autoritários que caracterizavam grande parte da esquerda do final do século XIX e do início do século XX. Nesses tempos em que o mundo era dominado pela direita e em que a democracia, os sindicatos e a cidadania eram uma miragem, o crescimento da esquerda usou das mesmas formas de violência que a direita (era normal naqueles tempos).
A Ruptura não simpatiza com as "causas fracturantes" (inclusivamente o aborto), é contra a paridade e cada vez que se pronunciam sobre a sexualidade nota-se muito desconforto nas entre-linhas.
A Ruptura é contra instituições internacionais como a ONU e a UE, encontrando-se assim na prática mais próxima dos neo-conservadores quando estes defendem a primazia do belicismo internacional (guerrilha internacional na versão Ruptura), do que propriamente da esquerda que defende a primazia do direito internacional e que privilegia a razão ao som das botas a marchar.
A Ruptura não gosta do Maio de 68, não gosta da esquerda que questiona e que se questiona e não gosta do pós-modernismo.
Acontecimentos como o fim do regime soviético, a Primavera de Praga e a revolta húngara contra a invasão soviética são analisados telegraficamente nos textos da Ruptura.
A Ruptura enfeita o seu discurso com as palavras "revolução" e "trabalhador" como quem distribuiu bolinhas vermelhas numa árvore de Natal. As revoluções não se fazem com conteúdos conservadores, fazem-se com conteúdos inovadores e vanguardistas, algo inexistente no discurso da Ruptura. Os membros da Ruptura continuam a pronunciar as palavras "trabalhador", "operário", "camponês", etc., como se a composição actual das nossa sociedade fosse ainda dominada pelos sectores primário e secundário, tal como início do século XX.
Caro Miguel Madeira, quanto à questão das alas esquerda ou direita do BE, no que me toca a resposta está dada. Vejo o autoritarismo e o conservadorismo da Ruptura do lado do MRPP e do PCP, vejo-os a clonar a direita, como se fazia (erradamente) no início do século XX. Nesse cruzamento, eu guino à esquerda!
Sem comentários:
Enviar um comentário