segunda-feira, setembro 25, 2006

"Bubble" ou retratos do trabalho nos EUA



Bastam 73 minutos de filme para dar um retrato exacto do mundo laboral dos EUA no seu nível médio e médio baixo. É esse o grande mérito de "Bubble" do americano Steven Soderbergh. Está lá tudo: o mundo do duplo emprego; a ausência de vida familiar; a precariedade social; a organização da vida íntima e afectiva em função do trabalho e não o contrário; a obsessão de produtividade de produtos banais, rascas e foleiros, bem mais supérfluos que champanhe ou uma pulseira de tornozelo; as roulottes como dormitório de conveniência; a fast-food e a TV como recompensas maiores após uma jornada de trabalho; a ausência de cultura e de horizontes intelectuais; o exercício intelectual reduzido ao cálculo das economias para comprar o próximo electrodoméstico ou o próximo carro em segunda mão.

"Bubble" apresenta tudo isto e muito mais, economizando em diálogos. "Bubble" é filme em que o silêncio tem a língua solta. A narrativa, simples mas complexa nos detalhes chave, funciona como elegante espinha dorsal deste filmo-erectus da Dogme 95, sem dúvida num estado evolutivo superior ao do típico Hollywoodopitecus.


Os retratos do trabalho no Abrupto



Os retratos do trabalho exibidos até hoje no Abrupto, e que com certeza JPP continuará a publicar no seu blogue, são de certa forma o lado cor-de-rosa dos retratos de Soderbergh. Chamo-lhes retratos cor-de-rosa porque apelam ao imaginário do trabalhador-modelo visto pelo prisma liberal dos neo-conservadores. Através desses retratos, desses instantes, que apesar de representarem gestos repetitivos, não deixam de ser instantes, podemos contemplar um trabalhador em poses simples mas dignas, em poses humildes mas dignas, um trabalhador sujo mas digno, um trabalhador suado mas digno, ali não há lugar para palhaçadas sindicalistas ou artistas plásticos (que não são considerados trabalhadores nesse imaginário), nada de cow parades que um verdadeiro trabalhador é um homem sério e só se diverte em dia de casamento dos filhos ou dos netos. É curiosa a semelhança com o trabalhador-modelo soviético. Todos estes retratos do Abrupto servem para projectar a imagem de uma sociedade que só vive bem quando tolera a exploração e a precariedade. É esta mesma entrada do Abrupto que o denuncia, sobre aqueles coreanos do Starbucks que pelo menos ganham dinheiro "certamente pouco, mas algum", tal como os personagens de "Bubble", certamente pouco, mas algum. ..
No meio neo-conservador o fantasma do trabalhador-modelo explorado, mas digno e obviamente feliz, serve de consolo moral para que se possa beber tranquilamente um whisky de manhã e outro pela tarde no aconchego de um gabinete onde não cheira a suor e onde não entram botas cagadas de lama. Nalguns desses gabinetes até existem umas miniaturas de vacas das cow parades que um amigo trouxe de Londres ou de Varsóvia, mas ali não se corre perigo algum, ali está-se ao abrigo da ira do desempregado de Pevidém.

Sem comentários: