quarta-feira, julho 04, 2007

A estupidez matemática de 27 referendos nacionais

Sou da opinião que todos os tratados europeus deveriam ser aprovados por via referendária, mas se todos os tratados europeus forem submetidos a referendos individuais em cada país, isso é matematicamente uma estupidez. E é uma estupidez porque este é um sistema onde um NÃO num dos países da UE é suficiente para anular o efeito de todos os SIM dos outros países. O NÃO funciona neste caso como um elemento absorvente, tal como o zero na multiplicação.

Vejamos primeiro a probabilidade um tratado europeu ser aprovado por dois países fictícios, no esquema actual de um referendo por país:
Caso 1- Vamos admitir que na República da Galescócia a probabilidade de NÃO e SIM vencerem é de 50% (50/100 ou 1/2) e no Pontificado Varsoshington a probabilidade de NÃO e SIM vencerem é igualmente de 50%. Existem 4 resultados possíveis: SIM+SIM, SIM+NÃO, NÃO+SIM e NÃO+NÃO. Todos com a mesma probabilidade: 25%. Como o NÃO é elemento absorvente, a probabilidade do tratado ser aprovado é apenas de 25%, correspondente à probabilidade de obtenção de SIM+SIM. A operação que fazemos para obter a probabilidade de 25% para que o tratado seja aprovado é a multiplicação simples da probabilidade do SIM vencer em cada país, ou seja: (1/2)*(1/2)=1/4=0,25 -> 25%

Vejamos agora a probabilidade de aprovação de um tratado europeu por 27 países:
Caso 2- Admitindo de novo uma probabilidade de 50% (50/100 ou 1/2) de o SIM ou o NÃO vencerem em cada país, obtemos 1/2 multiplicado por si próprio 27 vezes! Ora (1/2)27=0,0000000075 -> 0,00000075%, obtemos uma probabilidade insignificante para a aprovação do tratado!

Mas a coisa não é assim tão simples, porque os tratados são definidos nas cimeiras de chefes de estado e cada um deles opta por um tratado que reúna um amplo consenso no respectivo país, englobando o máximo de formações políticas. Por esta razão, em geral a probabilidade de um tratado obter um SIM em cada país é elevada. Pode ser superior a 90% no caso de um forte consenso nacional. No entanto vejamos a probabilidade de um tratado ser aprovado num contexto de fortes consensos nacionais:
Caso 3- Admitindo uma probabilidade de 90% (90/100) de o SIM vencer em cada um dos países, a probabilidade do tratado ser aprovado em toda a UE é de (90/100)27=0,058 -> 5,8%! Mas se a probabilidade do SIM vencer em cada país for de 97% (97/100) obtemos: (97/100)27=0,439 -> 43,9% de probabilidade de aprovação... Só quando a probabilidade de o SIM vencer em cada país for superior a 98% é que a probabilidade de aprovação sobe acima dos 50%: (98/100)27=0,580 -> 58,0%

A conclusão destes cálculos é que o actual sistema de referendos atribui um peso excessivo ao NÃO e torna quase impossível a vitória do SIM se os 27 países decidirem realizar um referendo para aprovação do tratado. As hipóteses de vitória do SIM só são realistas quando um conjunto de países aprovam o novo tratado por via parlamentar em vez da via referendária, opção esta obviamente menos democrática. A outra conclusão é que a matemática não é o forte dos participantes das cimeiras, pudera o carreirismo nas jotas partidárias não é lá muito compatível com o estudo da matemática...


Referendo em todos os países no mesmo dia
A solução de organizar um referendo europeu no mesmo dia em que os votos de todos os países são somados - essa soma poderia obedecer a um factor de ponderação para os países mais populosos não serem beneficiados - apresenta duas grandes vantagens:
1- Acaba com o falseamento democrático que se verifica actualmente. Somados os votos do NÃO em todos os países provavelmente não obtemos mais do que 30 a 35%.
2- Votando no mesmo dia em toda a UE, assistindo ao escrutínio das urnas, aos resultados, às reacções políticas nos vários países, os diferentes povos europeus cultivariam um sentimento de que vivemos numa casa comum, com um destino comum, em vez do habitual sentimento de que tudo se passa "lá em Bruxelas", "nos gabinetes", "nos corredores", etc.

Esta solução tem no entanto dois obstáculos:
1- A maior parte das constituições nacionais não permite este tipo de processo. Será preciso mudá-las.
2- A oposição feroz dos anti-europeístas (ler JPP no Abrupto 2/6/2005). Estes perceberam bem que o sistema actual os favorece largamente, citando JPP no Abrupto a 15/9/2003: "Basta um país não a ratificar [a Constituição] e não existe". Depois escrevem-se toalhas de textos queixando-se de que não há democracia na UE...

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