Um amigo libanês com o qual almocei diariamente durante os quatro anos que passei em França, descrevia-nos com orgulho a vida da sua irmã a viver em Beirute, uma rapariga dinâmica nas palavras dele, que trabalhava numa rádio, se vestia bem e até escolhia os namorados. No entanto, quando o motivo de conversa era Israel, ele não escondia a sua simpatia pelo Hezbollah, justificando que era o único movimento que fazia frente a Israel, que na altura ainda ocupava o sul do Líbano. Perante a sua simpatia pelo Hezbollah, juntamente com um colega francês, fizemos-lhe notar que se o Hezbollah alguma vez fosse governo no Líbano a sua irmã seria obrigada a cobrir o cabelo, deixaria de trabalhar na rádio e passaria os dias em casa à mercê de um marido que muito provavelmente não iria escolher.
As nossas palavras não lhe foram indiferentes, sem o referir directamente, deu-nos a entender que só tolerava o lado fascista do Hezbollah enquanto Israel ocupasse ou ameaçasse o sul do Líbano.
Este amigo libanês não é um caso isolado, grande parte do apoio ao Hezbollah possui este cariz. No fundo é um apoio que não partilha da doutrina do movimento, mas que o considera fundamental no conflito permanente contra Israel. E é aqui que discordo (apenas parcialmente) do Luís.
Não são os ataques de Israel ao Hezbollah que me incomodaram - pelos quais não verti a menor lágrima - o que me incomodou foi ver o Líbano bombardeado a eito, o que me incomodou foi o ataque ao Líbano país e não ao Hezbollah no Líbano, foi ver pontes destruidas, o aeroporto esburacado, uma maré negra de dezenas de quilómetros e ver libaneses muçulmanos, judeus e cristãos com a casa às costas perdidos no seu próprio país. Isto vai ter o seu preço e será um preço alto: o reforço do Hezbollah em simpatizantes, militantes e activistas. A próxima geração de vingança e de ódio está já na forja. Não será surpresa nenhuma se o Hezbollah aderir à moda dos atentados suicida.
A justificação do ataque ao Líbano país, às suas infrastruturas e às suas vias de comunicação, segundo a qual era necessário para impedir o fornecimento de armas ao Hezbollah é muito manhosa. E é manhosa por duas razões:
1 - Porque este ataque constituiu de facto um castigo (vingança diria o P. Varela Gomes) ao Estado Libanês, por não desarmar o Hezbollah. Para um país que viveu longos anos de guerra civil, desarmar o Hezbollah poderia significar o reacender dos velhos ódios e mergulhar de novo o país na guerra. As manifestações de apoio ao Hezbollah depois da saída das tropas Sírias são disso um indicador.
2 - Porque grande parte do circuito de fornecimento de armas ao Hezbollah passa por território de países "amigos" dos EUA. Actualmente, o Qatar é uma das maiores placas giratórias do tráfico de armas destinadas a grupos políticos como o Hezbollah. Diariamente, aterram e levantam voo Antonovs carregados de armas. A CIA sabe-o e até sabe mais ou menos para onde voam. Ora, será certamente mais eficaz para Israel - que já controla o espaço aéreo e marítimo do Líbano - pedir aos EUA para lhe dar uma ajuda no nó do tráfico de armas baseado no Qatar do que esburacar o aeroporto e escavacar os portos marítimos libaneses. Só que isso acarreta uma dificuldade. O negócio faraónico de armas em troca de petróleo entre os EUA e o Qatar poderia sofrer um abalo e a administração Bush não está disposta a isso. É mais fácil esburacar o aeroporto de Beirute...
Assim que o Líbano começou a ser bombardeado de alto a baixo enviei um email ao meu amigo libanês. Recebi resposta há poucos dias. Afinal ainda estava em França. Disse-me que a família no Líbano estava bem. O que me escreveu a seguir confirma os meus piores receios. O Hezbollah vai ter sem dúvida um vertiginoso acréscimo de popularidade e de simpatia. Infelizmente, é esta a verdadeira vitória do Hezbollah, é a vitória de um reforço político, do reforço de um fascismo alimentado pelo desejo de vingança e pelo ódio.
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