Rachid Djaidani é um jovem francês das cités, filho de pai marroquino e mãe egípcia (salvo o erro, li o livro há 4 anos), que decidiu descarregar a sua energia para a caneta e para o papel, e posso garantir-vos que o fez com maestria. O seu livro "Boumkoeur" é um romance meio autobiográfico, em que nunca se percebe muito bem onde acaba o romance e onde começam os factos da vida de Rachid Djaidani. Rachid descreve-nos o quotidiano das cités visto por dentro, pelos jovens: a mentalidade vigente, a hierarquia do bairro, o território dos bandos, a merda que fazem diariamente, a relação com os moradores, com a família, com a polícia, com a escola e com os "estrangeiros" ao bairro. Apesar de ser um daqueles jovens qui traine dans les cités, Rachid não tem papas na língua e aponta o dedo aos gremlins, que é como são conhecidos os mais jovens, os putos até aos 14 anos, a quem chamei tiranetes. Rachid é um pouco mais velho e por isso teme-os. Os gremlins toleram-no, mas são xenófobos. Rachid não é nenhum anjo, no entanto descreve-nos como sofre com a vida da cité. Gostava de ser escritor, mas nas cités isso é sinónimo de maricas.
Este romance autobiográfico é muito bom, com um desenrolar muito pouco previsível e espantoso. Só percebi a forma como foi aclamado nos programas de televisão franceses dedicados à leitura (onde se sentia pouco à vontade), quando li o livro. Até aí pensava que estavam apenas a dar uma oportunidade efémera a um jovem de um bairro.
Como sempre em Portugal, estes bons livros que não são escritos na língua de Walt Disney não se traduzem, nem se vendem. É a ditadura cultural anglo-saxónica que temos. Para quem quiser desenferrujar o francês, mas sobretudo para quem quiser perceber o que se passa nas cités francesas, aqui fica a ligação para a Amazon. A escrita tem muito jargão, mas é acessível. Também há o dialecto dos gremlins (uma espécie de françárabe de segunda apanha), mas Rachid fez-nos o favor de traduzir.
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