segunda-feira, junho 14, 2004
Não poder comemorar
(Guardo religiosamente este bilhete)
Ganhar e não poder comemorar. Como eu compreendo os adeptos franceses que estavam ontem em minoria no Parque das Nações e que foram insultados e agredidos por hooligans ingleses. Há quatro anos eu estive lá. Estive presente naquela victória fabulosa, na bancada por detrás da baliza onde o Nuno Gomes fez o 3-2. Três quartos do estádio eram adeptos ingleses. O resto eram emigrantes e alguns adeptos portugueses que se tinham deslocado em viagens organizadas. No fim do jogo a vontade era a de fazer a festa, mas o ambiente era pesadíssimo. À saída do estádio o silêncio era de cortar à faca. Não havia um único adepto português com coragem para comemorar. Estávamos cercados por todos os lados por um mar de adeptos ingleses a espumar de raiva. Percebia-se que à mínima faísca aquilo poderia rebentar num linchamento selvático dos adeptos portugueses. Continuei a minha marcha caladinho apesar da bandeira desfraldada ostensivamente ao longo dos meus dois metros de envergadura de braços. Era a minha maneira de comemorar/protestar no limite do razoável naquele ambiente absolutamente fachista. A dado momento os adeptos ingleses foram separados dos portugueses, eles seguiram através de um cordão de polícias a cavalo e nós tranquilamente para o centro da cidade.
O ambiente antes do jogo não era melhor. Autocarros do Euro2000 largavam os adeptos portugueses no centro da cidade no meio de um caos indiscritivel. Imaginem a Queima das Fitas e a Oktober Fest juntas em ambiente de 6 da manhã, de ressaca, de vomitado, mas ao contrário destas festas com um ambiente violento e sem mulheres, era só homens. Parecia um sultanato anglo-saxónico! À minha frente para entrar no estádio estava um grupo de engenheiros e quadros de uma empresa britânica a conversar. A dada altura começaram a entoar uma cântico que era cantado em redor de todo o estádio, intitulado: "Figo's a mother fucker".
"Os gajos do Porto são todos uns filhos da puta"
O hooliganismo em Portugal tem outros contornos. Quem é adepto do Porto já está habituado a ouvir num daqueles cafés que transmitem os jogos do futebol, indivíduos que fazem comentários do tipo: "Os gajos do Porto são todos uns filhos da puta! Todos!". E continuam: "Até o filho da puta do Fernado Santos quando foi para lá ficou igual àqueles cães!". Isto é proclamado em voz alta para ser audível em todo o café por pessoas que sabem perfeitamente que há ali adeptos do Porto a ver o jogo, há crianças e há pessoas que nem ligam nada a futebol. Toda a gente tem que engolir e calar, apesar de naqueles microsegundos que seguem a proclamação destes mimos me percorrer uma vontade imensa de pegar numa mesa e esborrachá-la em cima do indivíduo, bastam dois ou três segundos de calma para recuperar a clarividência para chegar à conclusão que o melhor é estar quieto e por fim até acabo por ter pena do pobre diabo. Isto que escrevo tanto serve para adeptos do Porto como para os adeptos de qualquer outro clube. Porque isto em Portugal é tudo uma questão de matilha e de cobardia. Se a matilha do Porto for mais numerosa que a dos outros clubes, são os do Porto a ter as mesmas atitudes. O problema é que eu vivo numa região onde a matilha anti-Porto é mais numerosa.
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