quinta-feira, junho 25, 2009

1491

1491 de Charles Mann é uma extraordinária obra que conta a história do continente Americano antes da chegada dos europeus, onde podemos descobrir revelações interessantíssimas saídas das mais recentes publicações científicas. Na verdade Mann vai um pouco mais para além de 1491 e conta como foram os primeiros contactos dos europeus com os índios. Conta como eram esses índios da América do Norte que tinham uma alimentação diária perto do óptimo em número de calorias e bastante variada, onde ponderava o milho, esse vegetal desconhecido na Europa. Estes índios desprezavam os europeus, enfezados, a cheirar mal (nessa altura os britânicos não tomavam banho durante toda a vida) e cheios de cicatrizes da varíola. Foi justamente a mesma varíola que fez desaparecer a uma velocidade fulminante a maior parte da população da América. São impressionantes os dados revelados por Mann, nalgumas regiões da América mais de 90% da população desaparece em apenas alguns decénios. Antes da chegada dos Europeus ao interior da América havia já algumas aldeias fantasma, dizimadas pela propagação das doenças, mesmo antes da presença física dos Europeus. Foi uma das maiores catástrofes do milénio passado causada pelas diferenças de sistema imunitário e genética entre americanos e os povos dos continentes europeu, asiático e africano. Mann conclui com muita razão que o mundo tem algumas responsabilidades para com aqueles povos. Não uma responsabilidade resultante de um sentimento de culpa com pouco cabimento, mas porque nós, embora inadvertidamente, dizimámos efectivamente aquelas culturas. Uma forma de compensar esses povos é seguir os passos de Mann, reabilitando e reconstruindo a história e a cultura desses povos. Todo o dinheiro que investirmos nisso é pouco comparado com o que se perdeu.

A maior parte da obra é dedicada às culturas que povoavam a América antes da chegada dos europeus, às grandes e efervescentes cidades que se estendiam desde a costa do Chile até ao Oklahoma. À organização social quase horizontal, onde a escravidão e as relações hierárquicas rígidas eram praticamente inexistentes. Mann descreve-nos o sucesso da eficiência agrícola da América, o continente de onde veio o milho (o vegetal mais cultivado no mundo), as batatas, os pimentos, as abóboras e os feijões. Relata-nos os conhecimentos extraordinários dos Maias em astronomia e matemática. Mas curiosamente nessa mesmo continente a roda nunca foi inventada (existia apenas como brinquedo). Os animais de maior porte existentes na América eram o bisonte, a ema e o lama. O cavalo (tal como o porco) foi introduzido na América apenas à chegada dos europeus. Por isso as deslocações no continente americano eram bem mais limitadas do que no resto do mundo.

Esta é maior beleza da obra, o estímulo permanentemente à imaginação do leitor, o transporte para outro mundo (que existiu mesmo) há mais de cinco séculos atrás, a Europa sem batatas, a América sem cavalos, o Massachusetts, o Connecticut e Nova Jersey sem auto-estradas e arranha-céus, salpicadas de pequenas aldeias costeiras rodeadas de plantações de milho, habitadas pelos humanos mais saudáveis do planeta que pescavam mergulhando nas águas do Atlântico.

1491 não foi traduzido para português. Para quem se desenrasca em línguas pode escolher entre a edição francesa e em inglês. Vale bem a pena o esforço!

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