Georges Charpak (prémio Nobel da Física em 1992) e Henri Broch (director do Laboratório de Zetética, Nice) são os autores deste interessantíssimo livro "Feiticeiros e Cientistas" que aborda do avesso o tema da charlatanice científica. Em geral, o tema é abordado partindo de uma base científica, seguindo-se o desmontar, um por um, dos argumentos do charlatão. No entanto, Charpack e Broch colocam-nos primeiro na pele do charlatão, ensinam-nos as bases de qualquer aprendiz de feiticeiro, percebendo como agem, como actuam para obter o efeito desejado e depois de nos terem atribuído o "diploma" de feiticeiro podemos perceber como a ciência pode ser utilizada para as piores causas, o que melhora a percepção das artimanhas.
Este é um livro que considero essencial para todos os tipos de leitores, é um livro que nos ajuda a apurar o cepticismo. Muitos das ideias e artimanhas analisadas fazem parte do nosso quotidiano quando desempenhamos o papel de consumidores, de alunos, de eleitores, de espectadores, de ouvintes, de leitores, de cidadãos, etc.
Os sonhos premonitórios
Ao longo do "curso de feiticeiro" de Charpak e Broch assimilamos uma série de truques recorrentemente utilizados pelos que mais praticam a charlatanice nos dias que correm (astrólogos, numerologistas, gurus de seitas exóticas, alguns políticos, alguns meios de comunicação, etc.). Um dos truques mais importantes é a excessiva valorização de acontecimentos positivos (ou o desprezo excessivo pelos acontecimentos negativos). Um exemplo muito comum é o dos sonhos premonitórios. Já toda a gente conheceu alguém que acha que tem um dom especial só porque previu um ou outro acontecimento importante durante um sonho. Ora acontece que sonhamos sempre que dormirmos bem. Se contarmos todas as noites dormidas desde os 6 anos de idade (altura em que já nos lembramos do que fizemos) até aos 70 anos de idade (idade perto da esperança média de vida) obtemos 23360 noites. Mesmo que não tenhamos dormido bem muitas noites, uma pessoa de 70 anos deve ter tido cerca de 20 mil sonhos e uma de 35 anos cerca de metade (~10 mil sonhos). Ora, o que é de facto improvável ao fim de cerca de 10 mil sonhos de um trintão é que nenhum desses sonhos tenha sido premonitório. Sonhamos tantas vezes sobre factos importantes do nosso quotidiano que é muito pouco provável que por uma vez o conteúdo do sonho não coincidir com um ou outro detalhe da nossa vida. Ou seja, é mais provável ter um ou vários sonhos premonitórios na vida que ter zero sonhos premonitórios. O problema é que o nosso narcisismo é mais forte do que nós e valorizamos mais um sonho em 10 mil em que acertámos numa previsão do que os outros 9 999 em que não acertámos em nada.
Eu próprio já tive sonhos que coincidiram com acontecimentos posteriores (o leitor muito provavelmente também) e não é por isso que considero os meus sonhos premonitórios. Até já me aconteceu algo mais engraçado. Quando era estudante, após uma noite a resolver problemas, deitei-me cansado deixando um problema a meio. Durante o sonho voltei ao problema e ocorreu-me um detalhe que ajudava a chegar à solução. Assim que acordei, resolvi o problema... Até hoje ainda não comprei um chapéu à Merlin!
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