sábado, agosto 30, 2008

Crise leva Ford a reduzir a produção de pickups

A minha crónica desta semana no portal Esquerda.net:

A Ford anunciou a redução da produção de pickups nos EUA em 38% até 2013, após uma forte queda no volume de vendas de alguns dos seus modelos mais populares decorrente da recente crise petrolífera. Mais de 52% dos veículos vendidos pela Ford em 2007 nos EUA eram pickups, sendo o Ford F o veículo automóvel mais vendido no país.

O Ford F é uma pickup cujo motor pode variar entre os 4200 cm3 V6 e os 5400 cm3 V8! O seu consumo é superior a 16 litros/100km em circuito urbano e mais de 11 litros em auto-estrada. Estes são valores de motorizações e de consumos verdadeiramente astronómicos quando comparados com os automóveis mais vendidos na Europa, na América Latina, na Ásia ou em África. Por exemplo, na Europa os modelos mais vendidos são o VW Golf e o Ford Focus equipados com motorizações entre os 1400 e os 2000 cm3 cujos consumos que oscilam entre os 7 litros e os 11 litros por cada 100km. Sendo o sector dos transportes um dos que mais contribui para a emissão total de gases de efeito de estufa, não admira que os EUA, a par com a China, sejam o país que maior volume emite de gases de efeito de estufa e cujo valor de emissões per capita é o mais elevado a par com a Austrália. No entanto, o novo governo australiano ratificou recentemente o Protocolo de Quioto, implementando importantes medidas para a redução de emissões de gases poluentes.

A extravagância dos motores dos automóveis americanos explica-se em parte pelo baixo preço dos combustíveis nos EUA, como é comum entre os países produtores de petróleo, mas explica-se sobretudo por uma cultura fortemente consumista dominada pelos interesses dos principais grupos económicos, entre os quais encontramos poderosos grupos ligados ao negócio do petróleo. Decisões políticas mais corajosas, embora impopulares, de contenção do consumo de combustíveis fósseis e de redução da emissão de gases de efeito de estufa têm vindo a ser sucessivamente adiadas, por pressão dos referidos grupos, com consequências muito negativas e dispendiosas para o quotidiano do americano médio. O custo de vida do comum americano subiu vertiginosamente em cidades concebidas quase exclusivamente para o transporte individual, alguns decidiram deixar o carro na garagem, outros a abdicar do tão comum segundo emprego porque deixou de compensar o custo de deslocação, e muitos colocaram os seus automóveis equipados de gulosos motores à venda, trocando-os por modelos japoneses e europeus mais económicos e menos poluentes.

quarta-feira, agosto 27, 2008

Os 68

68 foi Maio em França e foi Agosto (Srpen) na Checoslováquia, mas 1968 foi sobretudo um ano de universidades a transbordar, a geração do baby boom chega ao ensino superior e a demografia serviu de catalisador às várias revoltas ocorridas. A revolta da Universidade de Luvaina foi a menos poética. Flamengos contra francófonos dão origem a uma nova universidade e a uma nova cidade em território francófono: Louvain-la-Neuve. Flamengos em Leuven e francófonos em Louvain-la-Neuve, nada de misturas. 40 anos depois passeio pelas ruas desta cidade nova, bem pensada convém dizê-lo, cheia de vida, esta universidade do top 100 dos rankings munidais, mas não deixo de reflectir sobre a loucura humana, a irracionalidade brutal que esteve na sua origem.

68 é também a revolta na Cidade do México antes da realização dos Jogos Olímpicos naquela cidade, reprimida brutalmente, oportunamente relembrada pelo Luís Januário a propósito deste manso 2008 em Pequim.

Climatologia e astrologia tudo a mesma coisa!

Caro Desidério Murcho,

o que escreveu neste parágrafo é absolutamente aterrador, tanto para um cientista como para um filósofo:

"...não sei o suficiente sobre clima nem sobre as ciências relevantes para poder avaliar o que se passa no caso do pretenso aquecimento global; tenho de confiar nos especialistas. Mas quando os especialistas estão profundamente politizados, quando pertencem a uma ou a outra “causa”, não posso confiar em qualquer deles."

Este parágrafo, bem espremido, o que diz é que vale tudo, desde que existam uns e outros que pertençam a uma ou outra causa, o melhor é não confiar. Por exemplo, encontro muita gente (poderia ser o tal taxista que refere) que se refere à minha área, a astrofísica, nos seguintes termos: "ah, vocês e os astrólogos, cada um diz a sua coisa, cada um defende a sua dama, eu como não percebo desconfio de uns e de outros". Tal e qual como o seu parágrafo, para estas pessoas tanto nós como os astrólogos somos todos "especialistas".

Ora o que nos distingue dos astrólogos é o método científico, algo que não pode dizer que não sabe suficientemente, como filósofo conhece-o certamente, e por isso fiquei aterrado com o parágrafo acima transcrito e acho que os seus colegas poderão ter a mesma reacção... Os astrofísicos realizam trabalhos científicos que são publicados em revistas com arbitragem pelos pares, algo completamente inexistente na astrologia, é aqui que se separa a ciência da pseudo-ciência.

Igualmente, em climatologia existem os cientistas, os que publicam e estão sujeitos ao método científico - os resultados sobre o aquecimento global são o resultado da publicação de milhares (só no relatório do IPCC são citados centenas desses artigos) de artigos científicos em revistas da especialidade avaliados pelos pares - e depois existem os "especialistas" que escrevem, bem pagos por grupos de interesse, em blogues manhosos e os "especialistas" que produzem ruído mediático sem nunca ter coragem de propor o seu trabalho a revistas científicas com arbitragem. A realidade é que não existem trabalhos científicos publicados relevantes que ponham em causa o que nos diz o resultado do IPCC: a probabilidade da actividade humana contribuir para o aquecimento global é superior a 90% (ver Figura TS5 (b) da pag.32 do "Technical Summary" do IPCC). Por exemplo não existem artigos em que sejam postos em causa as dezenas de artigos sobre aquecimento global publicados na Nature e na Science, onde são publicados os trabalhos mais importantes, nem existem artigos que estimem uma probabilidade para que o aquecimento global registado (não é pretenso como refere) tenha uma probabilidade muito significativa de ser natural, ou seja uma quantificação como fez o IPCC, mas ao contrário. Não existem! E como não existem, o seu texto demonstra falta de informação, mas o pior é que confunde especialistas com "especialistas", tal como o problema dos astrofísicos com a astrologia. Ou assumimos que estamos numa sociedade baseada no conhecimento e confiamos no método científico, confiando no trabalho dos cientistas, ou então vale tudo, os "especialistas" passam a especialistas e a astrologia equivale-se à astronomia e à climatologia!
Acho que deve ter já percebido o grave problema de que padece o resto da sua análise...

PS- A propósito do 2° parágrafo do seu texto: ao observar um eclipse da Lua a projecção da sombra da Terra no referido astro é a prova de que a Terra é "redonda".

PS'- Bjørn Lomborg sem ser um charlatão cometeu vários erros de palmatória objecto de artigos em revistas científicas (ver Scientific American por ex.) que o descredibilizaram perante a comunidade científica, mas que o tornaram popular entre os meios de comunicação que favorecem a polémica em detrimento do rigor.

terça-feira, agosto 26, 2008

Otec osloboditeľ syn okupant


Em russo inscrito no memorial à libertação da Checoslováquia pela União Soviética na II Guerra Mundial: "Pai libertador, filho ocupante" e "Russos voltem para casa", Bratislava, Agosto de 1968.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Bendit brilhante sobre a Turquia

En Novembre dernier j'ai parlé aux télévisions, aux étudiants de l'université du Bosphore... J'ai été invité tant par des journaux islamistes que libéraux, et je tenais systématiquement le discours suivant: "Vous savez que, avec les Verts, je suis pour l'entrée de la Turquie dans l'Union Européenne. (...) Mais il faut que vous ayez conscience des types de changements que cela va engendrer chez vous. Je vous donne un exemple: capitale de la France, Paris: le maire de Paris, homosexuel. Capital de l'Allemagne, Berlin: le maire de Berlin, homosexuel. L'entrée de la Turquie, cela veut dire, dans quinze ou vingt ans, un maire d'Istanbul qui pourrait être homosexuel! Oui ou non?" Et là, le débat a réellement commencé. D'après vous, comment ont réagi les journaux turcs? C'était à la une! Un vrai débat a eu lieu et ils ont commencé à regarder leur propre histoire. (...) Dans le feu de ce débat public, un écrivain turc kurde n'a carrément pas hésité à se déclarer homosexuel et candidat à la mairie d'Istanbul.

"Forget 68", Daniel Cohn-Bendit, Ed. L'Aube, 2008, pag. 109


Esta passagem é um exemplo excelente daquilo que deveria ser o trabalho de um eurodeputado quando visita um país "difícil": despertar aquilo que há de melhor numa sociedade, através do debate, mas sem conceder a receios de contrariar as sumidades espirituais e tradicionalistas do sítio.

sábado, agosto 23, 2008

Crime que não é fotogénico (não dá na TVI)

Imaginem que na Buraca acabaram de assassinar a 31a pessoa desde o início do ano ou que foi morto o 31° refém de assaltos a bancos desde o início do ano... Pensem bem 31 pessoas mortas, imaginem mesmo que no youtube há um vídeo para cada um desses assassinatos e podemos ver de trás para a frente os criminosos a assassinar o refém ou o habitante da Buraca. O presidente da República ou Primeiro Ministro deveriam fazer alguma coisa, estamos de acordo certamente. A TVI entraria em histeria orgásmica e atingiria os 90% de audiência, o PP subiria em flecha nas sondagens ao som de discursos de Paulo Portas sobre o "Portugal que trabalha". Mas agora deixem de imaginar e saibam que os 31 assassinatos aconteceram realmente, mas em vez de ocorrerem num bairro com ciganos ou durante assaltos realizados por romenos ou brasileiros, estas 31 mortes ocorreram no próprio domicílio do português médio, o português médio que dá porrada na mulher e nos filhos, porque não sabe ter uma relação de respeito sem dar porrada. E (hélas!), a TVI e o youtube não têm registo destas mortes. Meus amigos, o Observatório de Mulheres Assassinadas - um luxo de um país que é mais perigoso dentro de casa e no local de trabalho do que na rua - desde o início do ano registou nada mais nada menos que 31 mulheres assassinadas por maridos, ex-maridos, namorados e ex-namorados. Quantas sobreviventes foram parar ao hospital com ossos partidos, olhos negros e queimaduras? Quantos putos foram espancados no calor dos desaguisados conjugais? Parece-me que isto tudo não interessa muito voltem a sintonizar a TVI, ou se quiserem ainda mais espectáculo sintonizem a RAI Uno, a culpa é dos ciganos...

sexta-feira, agosto 22, 2008

Medalha de Pau para o jornal Record

Já todos sabíamos que os nossos jornais desportivos são mais jornais futebolísticos do que propriamente jornais desportivos, mas a capa do jornal Record de hoje é em si mesma um record, um record deprimente. A mensagem que o jornal Record transmite na sua capa de hoje, ao dar mais importância às declarações de um tal Reyes do que a uma medalha de ouro olímpica, é uma mensagem de apoio ao pior que existe à volta do desporto nacional, é uma mensagem dirigida aos maiores doentes e fanáticos de futebol (não confundo com as pessoas que de facto gostam de futebol), esses que berram que "todos os adeptos do Porto são filhos da puta" num café cheio de gente, os que admiram as patifarias de Pinto da Costa e os que aplaudiram os murros de Sá Pinto a Artur Jorge. O Record disse-lhes hoje estamos convosco, vocês que acham que os Jogos Olímpicos são para totós contém connosco para vos dar o pior do desporto, para continuar a alimentar os vossos pequenos ódios, a vossa mesquinhez pseudo-desportiva, tomem lá esta capa, continuem a comprar o nosso jornal e sobretudo não mudem, continuem a ser os velhos e bons grunhos de sempre!

quinta-feira, agosto 21, 2008

Srpen 68

A 21 de Agosto de 1968, o fotógrafo checo Josef Koudelka tinha acabado de chegar de um périplo fotográfico sobre a vida dos ciganos nos países de leste. Os tanques do Pacto de Varsóvia, bem obedientes ao poder de Moscovo, entraram na Checoslováquia com o objectivo de "libertar" o povo checo das decisões "políticas reaccionárias" do governo de Alexander Dubček.
Durante os longos dias em que os tanques soviéticos permaneceram em Praga, Koudelka tirou milhares de fotografias. Algumas delas foram publicadas no ocidente sob o nome "anónimo de Praga". Alguns anos mais tarde, Koudelka conseguiu um visto para o ocidente para expor o seu trabalho sobre os ciganos e só voltou à Checoslováquia depois da Revolução de Veludo.
Koudelka publica agora cerca de uma centena das suas melhores fotos neste Invaze 68, assinalando os 40 anos da ocupação da Checoslováquia. Koudelka expõe actualmente as fotos na Câmara Municipal de Praga. Vista a exposição, recomendo-a vivamente aos amigos que ainda acham que o marxismo é recauchutável.

segunda-feira, agosto 18, 2008

quarta-feira, agosto 13, 2008

Êxito do Projecto Delfos nas Olimpíadas de Matemática

Publicado no portal Esquerda.net:

O projecto Delfos é uma iniciativa de uma equipa de docentes do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra que tem o ambicioso objectivo de motivar, desenvolver e potenciar o gosto pela Matemática em Portugal. O projecto engloba acções de divulgação de matemática para professores e alunos, uma liga de Matemática por equipas para alunos do 10º ao 12º ano, cursos de matemática por correspondência, a disponibilização de textos de apoio a aulas e a preparação de jovens para olimpíadas internacionais de matemática.

Em Portugal, a matemática nunca mereceu dos responsáveis políticos ligados ao ensino a atenção devida, apesar da sua extrema importância nas sociedades modernas e complexas em que vivemos hoje. Foi sobretudo durante o Estado Novo que se acentuou o nosso atraso na matemática em relação aos restantes países da Europa, a que não é alheio a expulsão em massa de matemáticos das universidades portuguesas ocorrida nos anos 40 por ordem de Salazar.

No entanto, graças a iniciativas entusiastas como o projecto Delfos, Portugal começou finalmente a participar com regularidade e a ganhar prémios em iniciativas de grande relevância internacional, como as Olimpíadas Internacionais de Matemática ou as Olimpíadas Ibero-Americanas. As duas medalhas de bronze conseguidas na edição deste ano das Olimpíadas Internacionais de Matemática realizadas em Madrid são um bom exemplo do êxito deste programa, tendo sido este resultado o segundo melhor de sempre obtido neste tipo de competições. O melhor resultado (três medalhas de bronze) foi obtido na edição de 2006.

O projecto Delfos é um bom exemplo de como a universidade pode interagir muito positivamente com a sociedade, ajudando a reciclar conhecimentos e os métodos de ensino de professores, criando estímulos e desafios para alunos do secundário e disponibilizando material de divulgação e de formação ao cidadão comum que decide melhorar os seus conhecimentos de matemática.

terça-feira, agosto 05, 2008

Jouir sans entraves

A propósito da famosa declaração de Sarkozy "Il faut liquider Mai 68":

Sarkozy est un soixante-huitard contrarié! (...) Je viens de faire un débat avec Henri Guaino qui m'a sorti une série d'arguments contre 68. Le premier argument qu'il me débite c'est: "Vous voyez, c'est une société sans morale, jouir sans entraves." Non, mais franchement! S'il y en a un qui, aux yeux de tout le monde et en grande pompe veut jouir sans entraves, c'est bien Sarkozy!

"Forget 68", Daniel Cohn-Bendit, Ed. L'Aube, 2008, pag. 37

segunda-feira, agosto 04, 2008

Sobre Soljenitsine

Ler o Luís na Natureza do Mal.

Três capitais ibéricas em dois dias

Saio de Coimbra, a primeira capital do jovem reino de Portugal, paro em Mérida, a capital da Lusitânia, e acabo em Córdoba, a antiga capital do Al-Andaluz.
Córdoba e Mérida são cidades património mundial da UNESCO, Coimbra também não... Aquela que era a maior e a mais importante cidade de Portugal nos sec. XII e XIII, rica em património medieval, só agora está a preparar a sua candidatura à UNESCO. Penso nos anos de Manuel Machadismo, a marcar passo, e penso na ausência de política regional neste país.

sexta-feira, agosto 01, 2008

900 anos depois, as mesmas cenas

É um exercício interessante passar da biografia de D. Afonso Henriques de José Mattoso para "A Torre do Desassossego" de Lawrence Wright. Há 900 anos a tarefa da reconquista da península foi em parte facilitada aos reis católicos, pelas divisões entre os soberanos muçulmanos do sul. Na época o reinado dos Almorávidas foi ferozmente combatido e fragmentado por movimentos que proclamavam o retorno do Islão a um estado de pureza extrema fantasiado por mentes que condenavam quase todas as formas de arte e cultura e que reagiam com violência às "perversões" no Al Andalus, onde se consumiam bebidas alcoólicas.
900 anos depois, Bin Laden, Zawahiri e os seus ideólogos, entre os quais Sayyid Qutb e Hasan al-Banna fundador da Irmandade Muçulmana, retomam o mesmo discurso da necessidade do retorno do Islão a um estado de pureza absoluta, sem concessões a ninguém, nem aos próprios crentes que não sancionam os seus actos de violência. Para todos os efeitos estes são considerados automaticamente hereges...

Ler este bom resumo da obra de Lawrence Wright no blogue da Literatura.