segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Petróleo continuará a aumentar nos próximos anos

(publicado no portal Esquerda.net)

As recentes revoltas populares no Magreb e no Médio Oriente, em particular incertezas relativamente ao trânsito de petróleo através do Canal de Suez e do oleoduto Sumed no Egipto, voltaram a desencadear uma subida de preço do petróleo no mercado mundial. Esta subida é sobretudo de carácter especulativo dado que a Arábia Saudita garantiu compensar eventuais baixas de produção.

Actualmente, a produção de petróleo supera o consumo em cerca de 4 milhões de barris por dia (um barril de petróleo ~ 159 litros). No entanto, a curto prazo a Agência Internacional de Energia estima que o consumo de petróleo aumente cerca 1,5% por ano e que a capacidade de produção suba apenas cerca de 0,4% ao ano. A este ritmo poderá verificar-se uma situação de penúria dentro de 5 anos, altura em que a produção de petróleo poderá não satisfazer a totalidade da procura mundial. Os investimentos a realizar pelas petrolíferas para satisfazer a procura poderão fazer subir mais rapidamente o preço do petróleo, o que poderá catapultar o preço do Brent – serve de referência para cerca de dois terços do petróleo comercializado – bem acima dos 150 dólares por barril em 2020.

Perante o cenário previsto pela Agência Internacional de Energia, a aposta nas energias renováveis constitui uma solução progressivamente mais económica e sustentável a médio e longo prazo para estados importadores de petróleo, como Portugal. Para um país como o nosso com um sério problema de endividamento privado ao exterior, em boa parte resultante da importação de petróleo, a aposta feita nas eólicas adivinhava-se rapidamente compensadora. Mas se o preço do petróleo atingir os 150 dólares outros tipos de energias renováveis vão passar a ter preços competitivos. É estranho por isso verificar-se em Portugal a progressão de um discurso arcaico, como o do grupo de pressão liderado por Mira Amaral, a favor do consumo exclusivo de energias fósseis, quando estas são tendencialmente mais caras e os seus custos se reflectem directamente na parcela de importações do país.

domingo, fevereiro 27, 2011

Derrota estrondosa de Paulo Portas na Irlanda

Não sei quantas vezes Paulo Portas referiu a Irlanda como exemplo político. Quem o ouvia ficava com a sensação que tinha escrito o programa de governo em conjunto com o executivo irlandês, os impostos baixos, uma economia a caminho do estado mínimo, a atracção de capitais estrangeiros, etc. Claro que não referia que o investimento estrangeiro era essencialmente volátil, que as empresas investiam e os particulares compravam casa com o dinheiro que não tinham, apesar dos impostos baixos. Tudo isto coexistia com bolsas de pobreza chocantes financiadas quase exclusivamente pela União Europeia, porque o novo capitalista irlandês era contra os subsídios... Ironicamente, agora vive todo o país de subsídios internacionais por causa dos que eram contra os subsídios.
Paulo Portas é especialista em colar-se às vitórias dos outros (primeiro referendo do aborto, vitória de Durão Barroso nas legislativas, etc.) mas tem esta derrota coladinha à pele.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Foi você que pediu um campo de golfe?

(publicado no O Figueirense de 18/02/2011, sem ligação na versão electrónica)

Golfe de Marvão em 2009 completamente seco (clicar para aumentar)

Integrei a comissão de acompanhamento do Parque Desportivo de Buarcos pelo que não me pronunciarei sobre o golfe ali previsto antes da conclusão do processo. No entanto, importa tentar perceber porque estão previstos cerca de uma dezena de campos golfe no triângulo Figueira-Coimbra-Mira, sabendo que a taxa de utilização dos melhores campos do país, no Algarve, é muito baixa. Sobretudo sabendo que a sua adaptação ao nosso clima não se faz sem consequências. O golfe moderno foi inventado na Escócia onde em média chove 220 dias por ano.
A lição que se retira da crise da banca americana dos anos 80 e da bolha imobiliária espanhola é que a construção de campos de golfe se trata de um mero esquema para valorizar terrenos, aparthotéis e aldeamentos adjacentes (ler “The Best Way to Rob a Bank Is to Own One” William Black ou ver “Let’s Make Money” de Erwin Wagenhofer). A sobrevalorização dos empreendimentos confere altos rendimentos às instituições financeiras que fornecem o crédito para a construção através da cobrança de juros, da valorização de acções e da colocação de novos produtos nos mercados. Estas ganham sempre, independentemente de as empresas imobiliárias regionais e de os pequenos investidores locais prosperarem ou declararem falência. Independentemente da utilização ou não dos campos para a efectiva prática do golfe.
O sul de Espanha está pejado de urbanizações fantasma com campos de golfe ao abandono, onde os investidores locais faliram em massa. Algo similar ocorreu com o campo de golfe de Marvão, curiosamente integrado numa rede espanhola de golfe, hoje transformado em pasto para ovelhas, ladeado pelo empreendimento fantasma da Aldeia D'Azenha. O golfe de Marvão será colocado à venda em hasta pública no próximo dia 25 pelas 11 horas e já consta que não existirão compradores…

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Faz falta um Delors na Europa

A escolha de figuras incipientes como Durão Barroso, ou ainda pior, como Van Rompuy, deixou a União Europeia entregue a um soberanismo egoísta. Quando é essencial mais integração para blindar a Europa da especulação, quando é mais do que evidente que é necessário emitir dívida em euros, quando é essencial travar a arbitrariedade das agências de notação e da utilização em massa de offshores, a Europa encontra-se bloqueada por políticos sem iniciativa à mercê dos egoísmos dos maiores governos da Europa.
No tempo de Delors não se hesitava na Europa. É um homem com essa fibra de que precisa hoje a União Europeia. Esse homem poderia muito bem ser Jean-Claude Juncker (tendo em conta que a maioria do parlamento é de direita).

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Vivem em cima das nossas possibilidades

"Está tudo a correr bem: em 2010, o lucro dos três maiores bancos privados nacionais cresceu 8%, face a 2009, para quase mil milhões de euros. É a banca, aparentemente, a conseguir transferir o stress para outros. Questão de poder. Entretanto, segundo o Negócios, e isto até custa a crer, o “encargo fiscal do BCP, BES e BPI caiu 83%” no mesmo período, o que terá ajudado no aumento dos lucros, claro. Isso e os empréstimos do BCE a taxas de juro quase nulas. O BCE está aí para as curvas dos bancos, mas não para as dos Estados que amparam os bancos e que depois ficam na sua dependência. É a vida no capitalismo financeirizado. Os riscos financeiros, que são muitos neste regime, são sempre socializados. Por isso é que o controlo público dos bancos deveria ser superior."
João Rodrigues no Ladrões de Bicicletas.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Palomares radioactiva 45 anos depois

(publicado portal Esquerda.net)

Quarta bomba que caiu no Mar Mediterrâneo e foi recuperada dois meses mais tarde – Foto retirada do site brookings.edu

Há cerca de 45 anos, mais precisamente a 17 de Janeiro de 1966, durante uma operação de reabastecimento em voo, um bombardeiro B52 da Força Aérea dos EUA colidiu com um avião cisterna KC-135. Ambos os aparelhos foram destruídos. O B52 transportava quatro bombas termonucleares Mk 28. Três bombas caíram junto à aldeia piscatória de Palomares na Andaluzia, Espanha. A carga não-nuclear de duas bombas explodiu tendo espalhado plutónio radioactivo por uma área de cerca de dois quilómetros quadrados. A carga nuclear não explode por impacto como as bombas convencionais, mas através do correcto funcionamento do dispositivo detonador. A quarta bomba caiu no Mar Mediterrâneo, tendo sido recuperada dois meses mais tarde.

O nível de contaminação do solo de Palomares só atingirá o nível de radioactividade natural dentro de alguns milhares de anos. Para minimizar os efeitos da radioactividade, logo após o acidente, equipas americanas removeram mais de 1300 metros cúbicos de solo contaminado que foi transportado e colocado num depósito de lixo nuclear em Savannah River na Carolina do Sul, EUA. No entanto, depois de um estudo realizado por técnicos espanhóis em 2004 estima-se que restam ainda cerca de 50 mil metros cúbicos de solo contaminado numa área interdita à população local. No mesmo ano os EUA concordaram em pagar a limpeza do restante terreno contaminado, cujo custo foi estimado em cerca de 31 milhões de euros, mas o compromisso de limpeza da área e os pagamentos acordados não têm sido cumpridos na íntegra pelos americanos. Recentemente, uma fuga da wikileaksrevelou a preocupação da Embaixada dos EUA em Madrid sobre o impacto negativo na opinião pública espanhola e nas relações bilaterais entre os dois países, se a Administração Obama não respeitasse os compromissos assumidos.

Apesar de os EUA terem enviado recentemente uma equipa de cientistas para avaliar o estado de contaminação dos solos, o governo espanhol endureceu a sua posição e enviou uma mensagem directamente a Obama para que se procedesse à remoção do plutónio o mais rapidamente possível. A passada semana, 45 anos depois do acidente, Espanha decretou a interdição de reabastecimento em voo sobre o território espanhol de aviões da Força Aérea Americana.

43 mulheres mortas por violência doméstica em 2010

A UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) divulgou que em 2010 foram mortas 43 mulheres em Portugal por violência doméstica. A esta violência juntam-se a das centenas de mulheres e de crianças que foram vítimas de maus tratos. O machismo autoritário, o marialvismo e a rigidez de costumes continuam demasiado ancorados no nosso modo de vida. E não vão desaparecer de um dia para o outro. Mas as mulheres que não aceitam este modo de vida são cada vez mais. Tal como refere a líder da UMAR "As mulheres estão a mudar. Elas dizem que não, que não querem uma relação violenta. E eles não aceitam essa decisão."

Os centros de ajuda que foram criados nos últimos anos são um apoio extraordinário, mas são claramente insuficientes dados os números desta tragédia. Enquanto acharmos normal a verborreia machista e tradicionalista, enquanto classificarmos o marialvismo de bonacheirão, enquanto não respeitarmos o sexo oposto na sua plenitude, isto não pára. Não é com centros de ajuda nem com prisões que se muda a mentalidade de trogloditas dispostos a matar mulher e filhos e de se suicidar em seguida.

Maior Colecção de Mapas Impressos de Portugal

A Reitoria da Universidade de Coimbra adquiriu a maior colecção de mapas impressos de Portugal, - o mais antigo é de 1561 - reunida pelo Professor Carlos Conde. A apresentação da colecção realizar-se-á numa sessão pública que vai decorrer na Biblioteca Joanina no próximo dia 9 de Fevereiro, pelas 17 horas. Mais informação aqui.
O Prof. Conde é uma referência incontornável do Departamento de Física e um verdadeiro pai científico para quem como eu teve o privilégio de se formar com ele. Durante o Estado Novo, quando departamentos das nossa universidades não publicavam um único trabalho científico, o Prof. Conde fez parte de um pequeno grupo que fundou um verdadeiro centro de investigação, que publica, que se tornou uma referência internacional e que ainda por cima trabalha nessa maçada que é a física experimental. Estamos todos gratos por isso e pelos mapas.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Sobre o ataque a reguladores e ao parlamento

O livro de "The Best Way to Rob a Bank Is to Own One" (University of Texas Press, 2005) de William K. Black é um verdadeiro manual sobre as artimanhas do sector financeiro para pôr fora-do-jogo eleitos e reguladores. No final dos anos 80, o contribuinte americano pagou um preço altíssimo pela desregulação do sector financeiro, graças à castração do poder dos reguladores e dos eleitos políticos. Sem escrutínio, o sector bancário usou e abusou de esquemas fraudulentos que produziram prejuízos pesadíssimos pagos posteriormente pelo contribuinte.

O caso BPN já nos custou 5 mil milhões de euros injectados na CGD (o maior investimento público de sempre). No entanto quase nada foi feito para reforçar a regulação do sector financeiro, como aumentar o número de efectivos das entidades reguladoras, de preferência bem pagos para estarem mais imunes a actos de corrupção. Ou ampliar os poderes de fiscalização do parlamento. Quando se ouve Jorge Lacão a pedir uma redução do número de deputados superior a 20% simultaneamente com a redução dos vencimentos das entidades reguladoras, parece que estamos a assistir à sequela do livro de William Black. Na sua obra, Black (um regulador) descreve com detalhe como este tipo de ideias era proposto por políticos americanos não eleitos, geralmente após uma noite regada de champanhe em veleiros cheios de acompanhantes de luxo pagas pelos bancos.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Nunca Acreditei na Ideia do Tigre Celta

"Nunca Acreditei na Ideia do Tigre Celta. Bebi demais, na Irlanda. Ouvi muita música, demais, na Irlanda. (...) Vestiram-nos de executivos na ponte aérea para Londres e nos intercontinentais para Bóston, acolheram regras continentais, tentaram higienizar os muros da Factory, os jardins de Dun'Laghoire, as ruas de Cork, Clifden, Galway ou Siglo. Para fabricar o Tigre Celta estragaram uma parte da minha Irlanda."
Francisco José Viegas, Revista Ler de Janeiro de 2011, pag.23

Diria mais caro Francisco. O homo sapiens sempre bebeu demais, sempre cantou e dançou demais. A espaços a civilização tentou domá-lo, ou higienizá-lo, a Santa Inquisição, o Comité Central e Wall Street, entre outras seitas religiosas. Mas o homo sapiens é muita macaco. É macaco. Não é tigre.

terça-feira, fevereiro 01, 2011

Krugman: Europa melhor que EUA face à crise

Este ensaio de Paul Krugman no New York Times sobre a crise na União Europeia é muito certeiro e está cheio de ideias interessantes. Apesar de longo vale bem a pena ler até ao fim.
Destaco a passagem da comparação com os EUA. Quem já viajou pelos EUA sabe do que Krugman está a falar. Dá-se de caras com uma miséria chocante de que já perdemos a memória na Europa. Muitos jovens sem tecto e velhinhos sem reforma a dormir em jardins ao fim de uma vida de trabalho em que alguns acumulavam dois empregos.

"Not long ago Europeans could, with considerable justification, say that the current economic crisis was actually demonstrating the advantages of their economic and social model. Like the United States, Europe suffered a severe slump in the wake of the global financial meltdown; but the human costs of that slump seemed far less in Europe than in America. In much of Europe, rules governing worker firing helped limit job loss, while strong social-welfare programs ensured that even the jobless retained their health care and received a basic income. Europe’s gross domestic product might have fallen as much as ours, but the Europeans weren’t suffering anything like the same amount of misery. And the truth is that they still aren’t.

(...) The Europeans have shown us that peace and unity can be brought to a region with a history of violence, and in the process they have created perhaps the most decent societies in human history, combining democracy and human rights with a level of individual economic security that America comes nowhere close to matching."

O cartoon da semana



Hosni Moubarak, Kadhafi e o rei Abdallah da Arábia Saudita (via Cartoons).