domingo, junho 08, 2008

A charlatanice climática em livro

A minha crónica deste fim-de-semana no portal Esquerda.net:


O político americano Marlo Lewis Jr. dedicou a obra "A ficção Científica de Al Gore" exclusivamente à crítica do livro de divulgação "Uma Verdade Inconveniente" de Al Gore. Estamos perante a obra de um autor sem formação científica que tem a pretensão de desmentir uma obra de divulgação científica de um autor, que embora não seja cientista, se baseou em trabalhos publicados em revistas científicas da especialidade.

O livro de Marlo é articulado num formato repetitivo onde se faz marcação cerrada a cada frase da obra de Al Gore, explorando até à exaustão o seu potencial para gerar a maior controvérsia possível. É uma velha e conhecida fórmula pseudo-científica muito utilizada por seitas exotéricas, pela cientologia, pelos crentes na ovniologia e pelos niilistas das viagens à Lua.

Logo na primeira frase do livro de Al Gore analisada por Marlo Lewis temos um exemplo desse frenesim gerador de controvérsia, nem que esta seja suportada por argumentação ainda mais errada do que aquela que pretende denunciar. Nessa primeira página do livro de Lewis a ignorância do autor é exposta, este não percebe que a capacidade da actividade humana alterar a concentração de vapor de água na atmosfera é insignificante, comparada com a capacidade para alterar a concentração dos restantes gases de efeito de estufa. Para além disso Marlo ignora que em bom rigor qualquer gás presente na atmosfera com orbitais atómicas ou orbitais moleculares pode emitir ou absorver radiação, podendo potencialmente contribuir para o efeito de estufa. É também evidente que Marlo Lewis desconhece a importância dos contributos relativos de cada gás, desconhece que a complexidade das orbitais moleculares do CO2 é muito superior à das moléculas de vapor de água, tal como a capacidade para interagir com a radiação.

A obra falha em absoluto no seu objectivo principal, não revelando qualquer erro inerente à ciência que fundamenta o aquecimento global e em particular inerente à obra de Gore, aliás como já tinha concluído a conhecida resolução de um tribunal britânico e a análise dos investigadores do IPCC sítio de divulgação Real Climate. No entanto, o pouco que é exposto nos vários prefácios da obra de Marlo Lewis e na capa da mesma obra apresenta, aí sim, graves erros científicos. Na capa encontramos o pior erro, onde se pode ler que o actual aquecimento global "resulta de ciclos climáticos naturais em que o ser humano tem pouca ou nenhuma influência". Ora, não existe qualquer trabalho científico publicado em revistas da especialidade onde essa tese seja fundamentada à custa apenas dos ciclos naturais, pelo contrário existem milhares de artigos publicados em revistas da especialidade que indicam claramente o contrário, indicam que a actividade humana com uma probabilidade superior a 95%, é a responsável pelo aquecimento global (ver gráfico do cálculo do forçamento radiativo).


Recentemente, Gavin Shmidt, um dos investigadores do Real Climate, ao ser solicitado para comentar as opiniões de Marlo Lewis, respondeu que o número de disparates debitado por Lewis é tal que torna inviável a formulação de comentário sério às suas posições. Estamos pois, no registo da charlatanice barata.

Mas, dado o vazio científico da obra, onde não encontramos referências a trabalho científico publicado em revistas com arbitragem, o mais interessante nesta publicação é a revelação de que principal o responsável pela tradução desta obra é Rui Moura. Rui Moura é um conhecido blogger (pelas piores razões) que não investiga, mas que dedica uma boa parte do seu tempo a difamar e a denegrir o trabalho realizado pelos melhores investigadores na área da climatologia, sobretudo o trabalho publicado em revistas de prestígio como a Nature ou a Science, sujeito a rigorosíssimos processos de arbitragem pelos pares. Por exemplo, no seu blogue niilista Mitos Climáticos, Rui Moura refere-se à ciência de ponta em climatologia, como "ciência oficial", insinuando assim o falseamento de resultados, caluniando a eito os melhores investigadores internacionais e nacionais, cidadãos que se levantam cedo todas as manhãs e deixam tarde do trabalho para dar o seu melhor para contribuir para o conhecimento científico. Rui Moura foi também um dos que contribuiu activamente para o boato que Al Gore era mentiroso e que o seu trabalho continha 9 erros científicos. Escreveu-o várias vezes no seu blogue, mas acabou por tudo apagar quando a verdade sobre o trabalho de Gore foi revelada. Ironicamente no prefácio desta obra, Rui Moura já se refere noutros termos à obra de Gore e transforma a classificação de "erros" em "afirmações não consensuais", é a cambalhota possível quando se escrevem disparates graves.

Mas a ingenuidade científica do responsável pela tradução portuguesa desta obra atinge o auge na passagem em que o tradutor agradece a ajuda na tradução de amigos e familiares... A tradução de uma obra que tem a pretensão de fazer um desmentido de assuntos que requerem a máxima isenção, conhecimentos científicos e técnicos precisos, foi afinal feita com a ajuda de amigos e família, é precisamente aqui que tocamos na fronteira que separa a ciência da charlatanice.

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