sexta-feira, outubro 19, 2007

A Desilusão de Deus

"A Desilusão de Deus" de Richard Dawkins não é apenas uma brilhante obra de divulgação científica, a obra de Dawkins é sobretudo uma obra oportuna do ponto de vista político. Numa época, em que o fundamentalismo religioso voltou a ganhar terreno, em particular através da progressão do islamismo no Médio Oriente e da ascensão ao poder nos EUA de uma das variantes mais fanáticas de protestantismo evangélico, Dawkins interpela-nos com toda a oportunidade sobre os perigos deste evidente retrocesso civilizacional.

Dawkins actualiza a reflexão científica sobre a existência de Deus através dos capítulos "A Hipótese da Existência de Deus" e "Argumentos para a Existência de Deus". A tendência humana para acreditar em entidades superiores ou espirituais é analisada no capítulo "Raízes da Religião" de uma forma muito interessante, do ponto de vista evolutivo da nossa espécie, tal como já o tinha feito Desmond Morris, embora as explicações não sejam totalmente coincidentes entre os dois autores. Ao longo do capítulo "Raízes da Moral", Dawkins desmonta a ideia que a moral só pode existir associada à religião. Através de múltiplos exemplos Dawkins recorda-nos que há mais de dois mil anos que as maiores atrocidades da nossa história têm sido perpetradas em nome de uma miríade de deuses. Neste capítulo Dawkins analisa o papel dos regimes laicos na pacificação da sociedade, sem deixar de caracterizar devidamente o estalinismo e o nazismo. Estaline como produto de um seminário católico e a espiritualidade maniqueísta de Hitler e a sua cumplicidade com o Vaticano.
A intolerância natural da religião é analisada por Dawkins, referindo-se este em particular à hostilidade à homossexualidade, ao modo de vida das sociedades mais abertas, à ciência e às religiões minoritárias. Apesar de Dawkins ser um aberto crítico das facções mais ortodoxas do judaísmo (tal como é crítico da Opus Dei, do catolicismo evangélico fundamentalista e do islamismo radical), Dawkins relembra-nos a história milenar da perseguição ao povo judeu, "os assassinos de Deus", como eram caracterizados.

Na minha opinião o melhor capítulo da obra é o capítulo dedicado à dificuldade que o cidadão comum tem em compreender os problemas cuja escala nos ultrapassa do ponto de vista espacial e do ponto de vista temporal. O muito grande ou muito pequeno, o Universo ou um quark não são conceitos intuitivos tendo em conta as nossas dimensões naturais e o espaço que cabe no nosso campo de visão. Os fenómenos naturais que duram alguns nanosegundos ou os milhares de milhões anos da vida de uma estrela dificilmente são assimilados pela maior parte das pessoas. Por exemplo, parte da dificuldade em compreender o fenómeno do aquecimento global tem origem no conflito entre a escala temporal facilmente intuitiva associada às recentes medições e a menos intuitiva escala temporal do ciclos de glaciações terrestres. A incompreensão da base científica associada a fenómenos cuja escala nos transcende são uma fonte abundante de espiritualismo e de sentimentos religiosos.

Outras passagens interessantes são o desmontar da infantilidade do Desenho Inteligente em poucas páginas, a análise ao negacionismo militante contra o darwinismo, a ciência moderna e o aquecimento global, bem como variadíssimas passagens deliciosas da bíblia onde se relatam genocídios, homicídios e abuso de mulheres e crianças em nome de Deus. Dawkins descreve ainda os evangelhos mais folclóricos, os que foram deixados de lado pelos últimos compiladores das escrituras, que descrevem Jesus Cristo em criança abusando dos seus poderes divinos como se fosse um mágico, ora transformando os seus colegas em cabras ora ajudando o seu pai nos trabalhos de carpintaria aumentando miraculosamente as dimensões das peças de madeira.

Livro Klepsýdra ***** (5 estrelas)

Principais ligações ateístas (e não só) fornecidas por Dawkins:
American Atheists
Atheist Alliance
Freedom From Religion Foundation
James Randi Educational Foundation

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