terça-feira, julho 27, 2004

O fogo é a nossa Al-Qaeda

Desde os resquícios dos devaneios do Verão Quente, Portugal não sofreu qualquer atentado terrorista, e mesmo esses eram atentados bastante rudimentares. Mas todos os anos o nosso território é devastado por incêndios que são muito mais destrutivos do ponto de vista material do que qualquer atentado terrorista jamais efectuado. Só o ano passado ardeu uma área equivalente à área do Luxemburgo!!!
No entanto a resposta do governo português aos incêndios foi muito menos empenhada do que a resposta dada ao terrorismo islâmico. No último ano, gastaram-se milhões na segurança do Euro2004 e dos aeroportos para impedir um atentado terrorista em Portugal, cuja probabilidade de acontecer é baixa. Pelo menos muito mais baixa do que a probabilidade de acontecerem incêndios de grandes proporções, esses sim muito mais destrutivos do que qualquer atentado que algum grupo terrorista possa executar em Portugal. As incoerências são gritantes:

- Enviámos soldados para o Iraque onde não existiam terroristas da Al-Qaeda e contribuímos para atrair a Al-Qaeda para o Iraque, numa missão de elevadíssimo custo financeiro. E quantos novos guardas florestais e funcionários da prevenção mandámos para a nossa área florestal? O investimento em material sofisticado que adquirimos para o Iraque teve equivalente na luta contra os fogos?

- Mandámos aviõezinhos sobrevoar os estádios para garantir a segurança dos jogos do Euro2004 (nem escaparam os jogos-treino) e quantos aviões temos a sobrevoar as nossas florestas?


- Controlámos a identidade de milhares de cidadãos estrangeiros que entraram no nosso país e quantas propriedades florestais fiscalizámos no último ano? Quantas cumprem as normas básicas de segurança?

- Inspeccionámos milhares de malas de viagem de cidadãos que atravessaram as nossas fronteiras e quantos dos nossos parques naturais e florestas foram atravessados por camiões e pessoas na posse de material e compostos perigosos para a nossa floresta sem que nenhuma inspecção fosse efectuada?

A descontracção, a pasmaceira e a falta de interesse deste governo (e dos anteriores) chocam-me perante a gravidade do problema. O que se passa em Portugal é pior do que todos os anos chocar um avião contra um arranha-céus. E nós deixamos que todos os anos isso aconteça, já nos habituámos. No terceiro mundo também é assim, as pessoas habituam-se aos problemas graves, ninguém se incomoda e estes eternizam-se.

O exemplo da Europa central
No Verão o clima da Europa central é menos propício a incêndios do que em Portugal, no entanto o trabalho feito na prevenção é muito mais sério do que no nosso país. Quando vivi em Estrasburgo, durante os meus passeios pela Alemanha reparei que qualquer propriedade onde houvesse uma pilha de toros de madeira, essa pilha de toros estava a ser constantemente regada. Em Portugal vejo o contrário: pilhas de toros de madeira seca prontinhas a pegar fogo. O ano passado na Eslováquia (um país verde e fresco no Verão) houve um incêndio numa das florestas. O governo eslovaco lançou de imediato a interdição de circulação de pessoas nas florestas em que não houvesse um controlo apertado das autoridades florestais. São estes pequenos detalhes que distinguem os países atrasados e abandalhados como Portugal dos países da Europa central.

Relacionado: ler na Aba de Heisenberg.

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