quinta-feira, janeiro 11, 2007

No Labirinto: o Líbano entre guerras, política e religião

Aquando da sua apresentação em Coimbra, Vital Moreira disse deste livro que revelava o melhor Miguel Portas, o Miguel Portas das Viagens. Subscrevo inteiramente. É o Miguel conta com entusiasmo as suas viagens pelo Líbano e regiões vizinhas, descreve com paixão lugares, ruínas, pedras e mezzés. É o Miguel que lê nos olhos e nos gestos das gentes e nos transmite sem rodeios as suas impressões sobre aquelas micro-sociedades, a importância dos clãs familiares, a ostentação que convive com a miséria e a pobreza, a religião que separa, mas que é praticamente a única instituição solidária num país deslumbrado pela banca e pela bolsa.

A Parte I do livro intitulada "O nascimento de uma nação" é de leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam pela política do Médio e Próximo Oriente. Muito bem documentada, esta Parte I faz-nos um resumo da história recente do Líbano e da região - o Líbano como país só existe desde 1941 - ligando as divisões étnicas, religiosas e políticas à efervescência e ao trânsito de povos que houve naquela região desde há mais de dois mil anos. "Nunca um país tão pequeno acolheu tanta diferença" (pag. 29) é a frase de Miguel Portas que melhor ilustra a equação libanesa. É esta concentração de povos e religiões numa região onde se disputam intensamente territórios há dezenas de séculos que torna tudo tão complexo de se realizar no Líbano, mesmo quando a tarefa em si parece simples. Ao lermos esta Parte I damo-nos conta da imensa quantidade de asneiras que foram escritas por comentadores e cronistas políticos durante o ataque ao Líbano no passado Verão, nomeadamente o apoio aos pedidos irrealistas de Israel para que o governo libanês eliminasse o Hezbollah. Era o mesmo que pedir a alguém para fumar num paiol de armas.

A segunda parte descreve os 33 dias em que o Líbano foi atacado por Israel, a envolvente política que deu origem ao conflito e a situação resultante do pós-guerra. A presença do Miguel no Líbano durante o conflito oferece-nos uma visão muito mais rica e precisa das reacções políticas e sociais que acompanharam o conflito, nomeadamente o estatuto e a popularidade que o Hezbollah ganhou à custa das bombas israelitas. Pessoalmente, considero os capítulos "Hezbollah" e "Islamismo" demasiado optimistas e o citado messianismo socialista da autoria de Françoies Thual (pag. 150) parece-me uma longínqua miragem política. Enquanto Israel ameaça, o Hezbollah ganha simpatias, aderentes e muitos votos, mas em tempo de paz, por muito que o Hezbollah tenha evoluído, os resquícios de políticas de extrema-direita religiosa não desaparecem de um dia para o outro. O meu pessimismo é reforçado pelas opiniões das minhas amizades libanesas do sul do país.

A total desorientação e o isolamento da diplomacia americana durante as negociações são muito bem resumidas pelo Miguel e são um exemplo flagrante da falta de estudo e de tacto para lidar com a referida complexidade da equação libanesa. É a mesma complexidade, que o Miguel conhece como poucos no nosso país, que faz do seu apoio ao reforço da FINUL subordinada à autoridade libanesa uma rara opinião credível e sólida sobre o assunto. Contrasta com a reacção pavloviana (parafraseando um amigo bloquista) que classificou a "intervenção da FINUL" (já lá estava antes da guerra) de novo imperialismo. Como refere bem o Miguel, o retirar dessa força funcionaria como um convite para o segundo round de Israel, sem testemunhas, com pontes e estradas por construir a facilitar o assalto.

Apesar de Israel ter mostrado mais uma vez uma superioridade militar brutal, a imagem do país emergiu do conflito enxovalhada como nunca. O Miguel termina bem concluindo que apesar da pesistência e da complexidade dos problemas, o resultado deste conflito mostrou que vale a pena exercer a política contra o primado da guerra.

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