quinta-feira, fevereiro 02, 2006

VPV vai acabar com o google e viver numa cabana

Esta entrada de Vasco Pulido Valente (VPV) contra o novo cartão do cidadão é um espelho da nossa incapacidade e do nosso atraso em acompanhar as rápidas transformações do mundo de hoje. VPV argumenta penosamente contra o novo cartão como se viesse aí um novo perigo para os direitos e as liberdades dos cidadãos. Vejamos:

1 - Este "rectângulo de plástico" NÃO reúne "quase tudo o que há a saber de relevante sobre um indivíduo". Existem outros rectângulo de plástico, chips electrónicos e códigos de barras que dão muito mais a conhecer do que é relevante sobre um indivíduo, tais como o cartão de crédito, o cartão do telemóvel, as máquinas dos parques de estacionamento ou o identificador de Via Verde.

2 - Ao contrário do que refere VPV não "basta carregar em meia dúzia de botões e uma pessoa fica instantaneamente nua". Cada serviço terá apenas acesso à informação a que tem direito. Não haverá nenhum serviço que possa ter informação a todos os dados simultaneamente. Para além disso, geralmente este tipo de cartões só permite o acesso aos dados mediante um código do conhecimento exclusivo do proprietário do cartão.

3 - Como o próprio VPV admite, o Estado não vai aceder a nenhuma nova informação sobre o cidadão. Outros cartões possuem já de forma directa ou indirecta parte das informações do cartão do cidadão. Através de um simples cartão de débito ou de crédito, um empregado bancário poderá saber não só alguns dos nossos dados pessoais, datas, moradas, nº de telefone, etc., como também a nossa actividade pessoal mais privada, se temos um leitor de DVD, se o comprámos em Andorra ou no Colombo, se transferimos dinheiro para um primo taxista que está na Suiça (quem trabalhou no Independente sabe bem que é assim), se pagámos uns vodkas no Elefante Branco às 4 da matina ou se somos assinantes do sítio internet da revista Hustler. O cartão do cidadão também não vai registar quem são os meus amigos, quando me contactaram e de onde me contactaram, dados esses registados pelo cartão do telemóvel e pelas inúmeras antenas dos operadores.

4 - O programa de espionagem americano ECHELON (e o seu sucessor) registaram e registam dados bem mais graves, como a actividade política, e ninguém parece importar-se em Portugal. Lembram-se de uma cidadã portuguesa que foi impedida de entrar nos EUA só porque foi arguida (e não condenada) no processo das FP25?

5 - Depois vê-se que VPV anda alheado da realidade: "Na América e na Inglaterra, ainda não existem documentos de identificação universal". Ora, o cartão do cidadão já foi anunciado por Tony Blair, logo tal como em Portugal ainda não existe, mas existirá. Hoje cada viagem aos EUA vale no mínimo uma fotografia e duas impressões digitais nos serviços de fronteira. E em breve será necessário um passaporte com mais dados biológicos do que a simples impressão digital.

6 - Neste país fala-se tanto em mobilidade e de versatilidade no mundo do emprego, mas quando chega a hora de facilitar a vida às pessoas mais dinâmicas e móveis deste país, arranja-se logo uma piconhice qualquer para manter o monólito burocrático que gangrena o serviço público e inferniza a vida dos cidadãos. Por exemplo, desde que voltei a Portugal em 2002 o tempo que perdi para actualizar e renovar documentos, pedir certidões e autorizações para me passarem certidões (!!!), equivale a cerca de um mês de trabalho. Só para legalizar o meu carro foram precisos 17 documentos e mais de um ano de idas estéreis de Coimbra ao serviço de Alfândega de Aveiro!!!

7 - No entanto, "basta carregar em meia dúzia de botões" e o google diz-nos coisas fantásticas sobre VPV (cerca de 28500 respostas!!!), coisa de fazer inveja a qualquer ambicioso cartão do cidadão.

A minha conclusão:
Hoje são tantos os sensores e câmaras que registam a nossa actividade que é impossível passar completamente anónimo no meio urbano. Se VPV teme assim tanto dispositivos do género do cartão do cidadão, o melhor que tem a fazer é abandonar as cidades. Talvez uma vida tranquila numa cabana no meio de uma floresta bem densa o coloque ao abrigo das novas tecnologias, mesmo assim é preciso ter cuidado com os satélites de observação. Não faltarão certamente muitos anos até um google Earth qualquer nos mostrar todas as cabanas deste planeta...

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