terça-feira, agosto 26, 2003

Memória curta: Carlos Fino, RTP, Moscovo

Inúmeras vezes durante a década de 80 Carlos Fino finalizou as suas intervenções no telejornal deste modo: "Carlos Fino, RTP, Moscovo". Na altura os acólitos incondicionais do regime Soviético vociferavam contra as intervenções de Carlos Fino, que apelidavam de propaganda anti-comunista paga pelo Império Americano. Por outro lado os acólitos do regime americano deliravam com Carlos Fino, compravam resmas de Selecções do Readers Digest e as edições da National Geographic com as primeiras fotos dos desastres ecológicos nos regimes de leste. Nessa altura nenhuma destas pessoas pôs em causa o profissionalismo de Carlos Fino, pelo contrário Carlos Fino não podia ser mais profissional.

Mas os tempos mudam. Hoje aqueles que vêem na nação Americana quase o mesmo que os comunistas viam no regime Soviético (um país onde tudo é perfeito, todos vivem bem, justíssimo, etc.) mudaram de opinião sobre Carlos Fino. Afinal ele não diz o que eles queriam ouvir, tal como no passado não dizia o que os comunistas queriam ouvir. Este texto do Abrupto é um exemplo perfeito deste paradoxo. No texto “Carlos Fino, Bagdad” podemos ler:

Mas Fino não é um jornalista objectivo, nem nada que se pareça. Já me reduzo a considerar objectividade, apenas a procura de objectividade, que isso qualquer pessoa sabe o que é , sente se existe. Fino é um jornalista programático, que desenvolve o seu trabalho em função da sua opinião e só vê e só comenta o que com ela coincide. Se analisarmos os seus relatos da guerra, na estadia anterior, eles revelam um enorme desequilíbrio, insisto, enorme. O que Fino relatou, dia após dia, não só não se verificou como foi contrariado pelos factos de forma gritante. Fino continuou na mesma, imperturbável, mesmo quando a queda de Bagdad de Saddam, foi um desmentido flagrante do que ele dizia na véspera.

Se Carlos Fino for este jornalista acima descrito então o melhor é irmos todos a Berlim tocar nas pedras do muro para acreditar no que aconteceu em 1989. Mas já agora que factos tão importantes foram esses que contrariaram de forma gritante o que Carlos Fino descreveu? Terá sido o número de mortos de um bombardeamento que duplicou de um dia para o outro? Pode acontecer. Ou terá sido o anúncio do ex-Ministro da Informação Iraquiano de que 300 helicópteros americanos tinham sido abatidos por um velho pastor Iraquiano? Fino confirmou factos deste tipo? Parece-me que não. Aliás não vi absolutamente nada de especial na objectividade das intervenções de Carlos Fino. Segui como muitos portugueses os vários órgãos de comunicação internacionais e parece-me que a objectividade de Fino esteve ao mesmo nível da objectividade dos jornalistas da CNN, BBC, TF1, RAI, TVE, etc. Só senti uma diferença de objectividade em relação à ARTE, que é um canal de televisão à parte e de um profissionalismo fora de série, e ainda em relação à Euro News, que é um canal neutro, tão neutro, que às vezes até chateia.

É fácil atacar Carlos Fino como é sempre fácil atacar o “mexilhão”. Mas não será mais grave quando um governo não é objectivo numa questão destas? Será que Blair foi objectivo sobre as provas que anunciou possuir sobre as armas de destruição em massa? Não foi ele contrariado pelos factos de uma forma gritante? E Durão Barroso foi objectivo? Ele afirmou preto no branco que tinha visto as provas de que o Iraque possuía armas de destuição em massa, não terá sido ele contrariado por factos de uma forma gritante? Já agora, morreu algum cientista por causa da falta de objectividade das declarações de Fino? E por causa das declarações de Blair?

Não tenho nenhuma admiração especial por Carlos Fino, mas quando no período de uma década este é criticado pelos acólitos da União Soviética e depois pelos incondicionais dos EUA isto pode ser um indicador de uma postura minimamente equilibrada em relação aos factos que ele descreve. Pelo menos não deve estar a ser submisso a nenhuma das partes. Será que podemos dizer o mesmo de Blair ou de Barroso?

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